No momento em que o Brasil busca novos parceiros como alternativa ao tarifaço de Donald Trump, a chinesa Meituan anunciou, em uma das reuniões do Brics, grupo formado por países emergentes, um investimento de US$ 1 bilhão para trazer ao Brasil a Keeta, maior plataforma de delivery de alimentos do mundo. Tony Qiu, vice-presidente da companhia, comandará a operação brasileira. O CEO afirma que chega para quebrar a hegemonia do iFood, que, segundo ele, concentra 90% do mercado. Consultada, a companhia brasileira não quis comentar.
Por que escolheram o Brasil?
O mercado brasileiro é de US$ 12 bilhões, mas cresce a uma taxa de 20% ao ano. Em cinco anos, pode se tornar o quarto maior. Hoje é o quinto, atrás da China, com cerca de US$ 100 bilhões, EUA, Coreia do Sul e Reino Unido. Além disso, é o único país com um líder, o iFood, com cerca de 90% de participação. Na China, EUA e Reino Unido há três concorrentes. Temos espaço. Além disso, Brasil e China são parceiros estratégicos, outra razão pela qual viemos.
O que explica essa concentração no Brasil?
Os contratos de exclusividade com os restaurantes [pelo iFood]. [Em fevereiro, o iFood se comprometeu junto ao Cade, órgão de defesa da concorrência, a não exigir exclusividade de grandes redes, responsáveis pela maior parte das entregas. Em cidades com menos de 500 mil habitantes, a exclusividade só vale para até 8% dos restaurantes disponíveis na plataforma].
Sua empresa foi autuada na China pelo mesmo motivo.
Isso foi em 2021. Naquela época, a exclusividade era uma prática não só na entrega, mas no comércio. Desde então, ela foi proibida.
Como competir aqui sem exclusividade?
Não pretendemos fazer isso no Brasil porque não achamos saudável. Nosso plano é oferecer melhores serviços a preços mais acessíveis aos consumidores e aumentar a receita dos restaurantes, proporcionando-lhes mais vendas e uma taxa de comissão razoável. Esse plano vem da nossa competência em engenharia de produto ao longo de mais de 11 anos. Processamos 120 milhões de pedidos por dia.
O que seria essa engenharia, exatamente?
Temos cerca de 10.000 engenheiros na China e mais de 1.000 são algoritmos, como engenheiros de aprendizado de máquina. Identificamos qual ordem despachar, quais entregadores, e em que horário. [Sem tecnologia] Isso é muito complicado, porque, se despachar muito cedo, o entregador espera demais no restaurante. Se despachar muito tarde, a comida esfria. Gerenciamos cerca de 7 milhões de entregadores na China. Essa máquina treina com muitos dados.
Isso estará disponível no Brasil?
Sim.
Farão entregas por drones, por exemplo?
Temos tecnologias como drones e veículos autônomos para entregas. Concluímos mais de um milhão de transações por meio dessas tecnologias e planejamos trazê-la ao Brasil. Ainda não podemos usá-las porque falta regulamentação.
No que isso ajuda?
Na China, você já pode pedir comida por drones da Grande Muralha. Em Hong Kong, existem várias ilhas. Costumava levar 40 minutos para ir de uma ilha a outra e era preciso pagar uma taxa muito alta. Agora usamos drones. Ainda precisamos procurar esses casos de uso no Brasil.
A Meituan anunciou US$ 1 bilhão em investimento nos próximos cinco anos. O que está incluído nesse valor?
Pretendemos construir uma rede logística com mais de 20.000 fornecedores, fornecer ferramentas digitais e recursos de marketing para ajudar os restaurantes e fornecedores a crescer. Também teremos um centro de atendimento ao cliente no Nordeste e planejamos contratar mais de 1.000 funcionários no Brasil.
Podem, eventualmente, competir com Uber e 99 na mobilidade?
Não. Vamos concentrar na entrega de comida, porque é o maior negócio em termos de base de usuários e frequência. No futuro, podemos pensar em compras de supermercado e medicamentos via ecommerce.
Quando começam a operar?
Ainda estamos acertando isso. Até junho de 2026, pretendemos estar em 15 regiões metropolitanas, chegando a mil grandes cidades em cinco anos.
Painel S.A.
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RAIO-X
TONY QIU
1984, Hong Kong— Bacharel em finanças pela Universidade de Nova York, iniciou sua carreira como analista do J.P Morgan e do Morgan Stanley. Em 2015, assumiu a operação da DiDi, dona da 99, e morou em São Paulo entre 2018 e 2020, quando apaixonou-se pela picanha. Atuou ainda na Kwai, antes de se tornarCEO da Keeta.
Com Stéfanie Rigamonti