Jonas Vingegaard e Matteo Jorgenson eram esperados entre os cinco primeiros colocados do Tour de France deste ano —um patamar reservado à elite dos escaladores. Mas, após a 2ª etapa da prova, em 6 de julho, os dois brincaram sobre adotar um estilo bem diferente de ciclismo.
"Você é um velocista agora", disse Jorgenson, depois que Vingegaard quase superou Mathieu van der Poel, vencedor da etapa, e Tadej Pogacar, segundo colocado, em Boulogne-sur-Mer. "Gostei. Você disse que estava maior, então teve que provar."
"Você não cresce à toa", respondeu Vingegaard. Ainda magro, o dinamarquês revelou antes do Tour que passou a pré-temporada ganhando massa muscular.
Dois dias depois, na 4ª etapa, com chegada em Rouen, Vingegaard parecia não só um dos melhores escaladores do mundo, mas também um dos mais fortes em terrenos ondulados. Após um ataque final de Pogacar, ele registrou o melhor desempenho de potência em um minuto de toda a carreira, igualando a aceleração explosiva do esloveno.
Vingegaard não foi o único a evoluir fisicamente. Diversos ciclistas que brigam pela classificação geral também ganharam força este ano.
Entre eles estão Pogacar (Eslovênia), Remco Evenepoel (Bélgica), Kévin Vauquelin (França), Jorgenson (EUA) e Florian Lipowitz (Alemanha) —todos com mais de 68 kg. Derek Gee, do Canadá, que terminou em quarto no Giro d’Italia no mês passado, pesa cerca de 74,8 kg.
Tradicionalmente, escaladores de elite priorizavam perder peso para aumentar sua relação watts por quilo. De 1990 a 2020, o peso médio dos ciclistas do Tour caiu de 70 kg para cerca de 68 kg. Nomes como Chris Froome, Bradley Wiggins, Nairo Quintana, Alberto Contador e Fabio Aru foram expoentes dessa abordagem.
Vingegaard teria se encaixado nesse perfil. Mas este ano, adotou uma nova estratégia: em vez de buscar leveza extrema, passou a aumentar sua potência com um ganho controlado de massa muscular.
É uma aposta ousada para o bicampeão do Tour, hoje com 28 anos. Ele está à frente de uma tendência emergente no ciclismo —e ainda é cedo para saber se sua reformulação física trará os resultados esperados.
Mathieu Heijboer, chefe de desempenho da equipe Visma-Lease a Bike, tem trabalhado de perto com Vingegaard nos últimos meses.
"Jonas começou esse processo por causa do grave acidente que sofreu no ano passado", disse Heijboer, referindo-se à queda no Tour do País Basco. "Na UTI, sem poder pedalar, deitado na cama, ele perdeu bastante massa muscular que tivemos que recuperar."
"Na temporada passada, não houve tempo para isso. Mas neste inverno, conseguimos encarar o problema com uma visão de longo prazo. A prioridade foi nas pernas, mas para aguentar acelerações explosivas, é preciso força também no tronco e no core."
Vingegaard percebeu que estava ficando para trás de Pogacar nos momentos mais intensos das etapas — uma fraqueza que ele se propôs a corrigir antes do Tour 2024. Na etapa de Rouen, conseguiu acompanhar o rival e mostrar os frutos desse trabalho.
"O ciclismo é um esporte de resistência, mas também de separação — você precisa abrir vantagem sobre o adversário", disse Heijboer. "O nível está muito alto. Nessas corridas, a diferença é feita na explosão — quem ainda consegue acelerar com força nas pernas. Antes, alguns ciclistas venciam só com base na potência aeróbica. Agora, essa margem está diminuindo."
Mas saber como ganhar músculo é parte essencial do desafio.
Os ciclistas não querem desenvolver músculos em áreas inúteis. Para um escalador, a força na parte superior do corpo tem utilidade limitada.
"Os ciclistas tentam usar o máximo de suas fibras musculares", explica Dan Lorang, chefe da equipe técnica da Red Bull-BORA-Hansgrohe. "Às vezes, não se trata de adicionar fibras novas — que exigem mais oxigênio —, mas de aprender a recrutar todas as que você já tem, para ganhar explosão e resistência. E ainda é preciso manter a capacidade aeróbica para não se esgotar antes de usar essa força."
Grande parte do trabalho é feito na bicicleta, porque não adianta ganhar músculos que não serão usados no pedal. Ainda assim, o treino de força na academia ajuda a desenvolver fibras musculares específicas. O segredo está em evitar ganhos desnecessários — especialmente na parte superior do corpo, que só representa peso extra nas subidas.