A dez dias do prazo de 1º de agosto dado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para o início da vigência das sobretaxas de 50% sobre os produtos brasileiros, o governo Lula e o empresariado já estudam algumas formas de reagir à medida do governo americano.
Nesta segunda-feira (21), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a pasta está trabalhando com diversos cenários para enfrentar a possível tarifa. Segundo o ministro, contudo, a determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que o Brasil não deixe a mesa de negociação.
"Estamos preparando alternativas para apresentar ao presidente, mas punir empresas ou cidadãos americanos não está em discussão. Todo e qualquer cidadão americano será tratado com dignidade, e empresas, às vezes com relação centenária com o Brasil, serão tratadas com o mesmo respeito", afirmou Haddad, em entrevista à rádio CBN.
Veja medidas que os setores público e privado estudam para fazer frente ao tarifaço de Trump.
FUNDO PARA EMPRESAS OU SETORES AFETADOS
O governo Lula discute a criação de um fundo privado temporário para dar crédito a empresas ou setores afetados pelo tarifaço.
Ainda não há definição sobre valores ou taxa de juros, apenas o desenho geral da medida. Segundo uma pessoa que participa das tratativas, para definir quem vai acessar a nova linha, é possível que o recorte seja estabelecido por setor ou por empresa.
O objetivo é cobrar dos tomadores a demonstração de que tiveram suas receitas afetadas negativamente pela imposição da sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros. Ou seja, havia uma previsão de faturamento que não se concretizou devido à queda das exportações para os EUA.
Segundo esse integrante do governo, mesmo dentro de setores afetados pelo tarifaço, como o siderúrgico, há empresas que são menos dependentes das relações comerciais com os americanos. Por isso, a definição do recorte será importante para garantir que a linha emergencial seja acessada por quem efetivamente sofreu impactos das práticas consideradas anticompetitivas.
O fundo deve ser criado por MP (medida provisória) e capitalizado pelo Tesouro Nacional por meio de crédito extraordinário, instrumento que permite abrir espaço no Orçamento sem esbarrar no limite de despesas do arcabouço fiscal.
COMITIVA PARA NEGOCIAR NOS EUA
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, cogita formar uma comitiva interministerial para ir a Washington negociar diretamente com os EUA. A ideia é atrair o governo norte-americano para um acordo eminentemente comercial, retirando o componente político da discussão do tarifaço previsto para vigorar a partir de agosto.
Para isso, a proposta é apresentar um cardápio de medidas de interesse dos EUA. Entre elas está o fim de algumas barreiras tarifárias e não tarifárias contra produtos norte-americanos. É o que afirmaram à coluna Painel S.A. empresários que discutiram o plano com Alckmin. Eles concordaram em falar sob condição de anonimato.
Nesta segunda (21), empresários do setor de mineração receberam aval de Alckmin para entrarem no radar de negociações pela revisão das tarifas.
Alckmin explicou aos empresários que o plano do governo é negociar um adiamento de até 90 dias para o início da data de vigência das tarifas. Dessa forma, empresas com produtos embarcados para os EUA ou que estejam com contratos em andamento poderão negociar alternativas.
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
Outra solução considerada é solicitar a prorrogação do prazo de 1º de agosto. O adiamento foi proposto pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) na semana passada e é defendido pelo empresariado.
Os empresários acreditam ser elevado o risco de os EUA não voltarem atrás com o tarifaço antes de 1º de agosto, quando a sobretaxa entrará em vigor. O Brasil, portanto, terá o desafio de negociar com os americanos enquanto os produtores brasileiros já estarão sofrendo perdas com o tarifaço.
Dois deles disseram ao Painel S.A. que o vice-presidente Geraldo Alckmin não deve pedir adiamento da data, mas trabalhar direto no cancelamento da sobretaxa, ainda que isso ocorra depois do dia 1º.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou nesta segunda-feira (21) que o Brasil deve fortalecer laços comerciais com outros países, diante da sequência de retaliações comerciais impostas pelos Estados Unidos ao país, e reforçou a intenção de agilizar o acordo União Europeia-Mercosul.
"Nós temos que reestruturar nossas relações comerciais. O Canadá já sinalizou que quer estabelecer uma aliança com o Mercosul para não depender tanto dos Estados Unidos. O México, a mesma coisa. Nós, até dezembro, esperamos assinar o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul", disse.
A intenção de aproveitar o momento de insatisfação de outros países do mundo com os EUA para ampliar sua base de relações comerciais já estava entre os planos do governo brasileiro diante das sanções de Trump, segundo auxiliares do Planalto.
TAXAR EMPRESAS DE TECNOLOGIA
Na semana passada, durante discurso na abertura do 60º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), o presidente Lula disse que vai taxar empresas de tecnologia americanas. "A gente vai julgar e cobrar imposto das empresas americanas digitais", disse.
Segundo relatos, uma das ideias é a de que empresas consideradas menos ágeis na remoção de conteúdos sejam penalizadas com taxas –algo similar ao que ocorre com empresas de telefonia e internet sempre que descumprem regras estabelecidas pela Anatel.
A proposta de ampliar a tributação das big techs é discutida há mais de um ano pelo Ministério da Fazenda, mas especialistas veem pouco espaço para o aumento da taxação das gigantes de tecnologia no Brasil.
No discurso, Lula também defendeu controles sobre as redes sociais, tema de críticas do governo Trump e um dos elementos citados na investigação comercial aberta contra o Brasil. "Não aceitamos que, em nome da liberdade de expressão, [redes sociais] sejam usadas para fazer agressão."
SENSIBILIZAR CONSUMIDOR DOS EUA
Nos encontros do governo Lula com representantes da indústria e do agronegócio, ficou acertado que os empresários deverão buscar os importadores nos EUA para apresentar a eles diretamente os impactos negativos que a taxação de Trump deve ter sobre os consumidores americanos.
O próprio governo brasileiro tem conversas previstas com representantes comerciais dos EUA como, por exemplo, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil, a Amcham.
Entre os setores que fazem parte desta equação estão, por exemplo, a carne bovina, que é essencial para a produção de hambúrgueres nos EUA, o suco de laranja, também um item do dia a dia do país, e o café, que faz parte do cotidiano dos trabalhadores.
Na sexta (18), uma distribuidora de suco de laranja nos Estados Unidos acionou a Justiça contra a aplicação das tarifas de 50% citando aumento de custos e eventuais demissões. Foi a primeira contestação de uma empresa americana às tarifas brasileiras.
PREPARAÇÃO PARA POSSÍVEIS SANÇÕES
Bancos e outras instituições financeiras já estão buscando orientação de escritórios de advocacia nos Estados Unidos para se posicionarem frente a eventuais sanções do governo Donald Trump à indústria financeira brasileira.
Uma das preocupações que entrou no radar é com o risco de serem adotadas sanções individuais a bancos que operam no Brasil. Também há o temor de proibição de relacionamento bancário e de transações dessas empresas com instituições financeiras norte-americanas, como por exemplo operações de câmbio, de acordo com pessoas ouvidas pela Folha que falaram sob a condição de anonimato.
O foco dessas consultas jurídicas tem sido o de entender os desdobramentos para o setor no caso de uma escalada da crise vir a atingir a indústria financeira num cenário de confirmação da sobretaxa de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para o mercado norte-americano a partir do próximo dia 1º de agosto.