A proposta de ampliar a tributação das big techs é discutida há mais de um ano pelo Ministério da Fazenda, mas especialistas veem pouco espaço para o aumento da taxação das gigantes de tecnologia no Brasil.
A preferência da Receita Federal é pela criação de um imposto sobre serviços digitais (o digital tax, em inglês) por meio do uso da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), como revelou a Folha em abril do ano passado.
Na véspera do envio ao Congresso do projeto da lei orçamentária de 2025, em agosto do ano passado, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, chegou a anunciar que o governo enviaria no segundo semestre do ano passado o projeto de taxação das big techs para reforçar a arrecadação.
Na época, as discussões sobre a tributação se intensificaram na tentativa do Ministério da Fazenda de reforçar o caixa do governo neste ano em cerca de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões.
O governo recuou da ideia, diante das resistências do Congresso em aprovar novos aumentos de impostos e o forte lobby das empresas junto aos parlamentares. O tema voltou ao debate no governo após o anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de uma sobretaxa de 50% sobre os produtos vendidos pelo Brasil.
Em resposta à abertura de investigação comercial pelos Estados Unidos contra o Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que o governo iria taxar as empresas de tecnologia americanas. Entre as maiores big techs estão a Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), Google e Amazon.
Uma mudança na tributação precisaria passar pelo crivo dos senadores e deputados, que já rejeitaram neste ano o decreto de alta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o que levou à judicialização no Congresso.
Um integrante da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse à Folha, na condição de anonimato, que os estudos avançaram, mas que a decisão política de prosseguir com o projeto está nas mãos do presidente Lula.
A ideia é tributar os pagamentos de publicidade e até mesmo serviços financeiros online. Um exemplo dessa tributação seria a publicidade de uma empresa chinesa ou alemã, que incide sobre a população brasileira e gera receitas (porque as compras estão sendo feitas no Brasil), não é computada.
Nos estudos para a proposta, a Fazenda se espelhou nos países que já instituíram o digital tax, depois que o chamado Pilar 1, definido pelos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para combater a erosão da base tributária e a transferência de lucros, não avançou diante das resistências do governo dos Estados Unidos.
O Pilar 1 foi definido para garantir uma parte da tributação nas contratações em que o pagamento é feito diretamente para a big tech no exterior.
Folha Mercado
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O cenário do avanço do imposto sobre serviços no mundo, no entanto, começou a mudar. No último dia 29 de junho, o ministro das Finanças e Receita Nacional do Canadá, François-Philippe Champagne, anunciou que o país iria revogar o Imposto sobre Serviços Digitais (DST) em antecipação a um acordo comercial abrangente com os Estados Unidos.
"Em consonância com essa ação, o primeiro-ministro [Mark] Carney e o presidente Trump concordaram que as partes retomarão as negociações com o objetivo de chegar a um acordo até 21 de julho de 2025", informou o comunicado do governo canadense.
"Os canadenses retrocederam no imposto e a medida fez parte das negociações com os Estados Unidos", ressaltou o ex-diretor da Secretaria de Reforma Tributária, Daniel Loria, da Loria Advogados.
O especialista não vê espaço para o aumento da tributação. Ele destaca que a nova tributação de preços de transferência no Brasil já aumentou a base de taxação das big techs no país. Essa norma permite que a Receita Federal verifique se as transações internas entre empresas de um grupo multinacional estão sendo precificadas de forma justa e consistente com o mercado. "O impacto já foi grande", diz.
"Também não vejo no mundo essa tendência. Vejo o mundo retrocedendo nisso e não avançando", disse. Ele lembra que o STF está analisando a constitucionalidade da cobrança da Cide sobre royalties e outras remessas ao exterior, que já existe.
Para Eduardo Fleury, do escritório FCR Law, o Brasil já implementou um imposto mínimo de 15% sobre o lucro das multinacionais, que entrou em vigor neste ano, o que diminui o espaço para a criação de um imposto de serviços digitais.
"O governo não tem espaço nenhum. O que sobrou é o digital tax, mas mesmo assim ele está colocando imposto em cima de imposto. Já tem imposto mínimo. Para mim, não faz muito sentido." Ele prevê judicialização no STF caso a Cide seja usada.