Há 50 anos, geada negra mudaria geografia do café no Brasil

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Era uma quinta-feira, 17 de julho, há exatos 50 anos. A tarde foi ficando extremamente fria, rajadas fortes de vento tornavam a temperatura ainda mais gelada e, na sequência, veio a chuva.

A comunicação à época, basicamente recebida por rádios a pilha, não dava aos agricultores a dimensão do que estava por vir. A experiência de muitos, no entanto, indicava que não seria boa coisa.

E não foi. Na madrugada de sexta-feira, a temperatura desceu até -9°C, segundo relatos da época, dizimando as lavouras de café do estado do Paraná, que era o maior produtor nacional nesse setor. Aquele intenso fenômeno climático, denominado de "geada negra", mudaria a geografia da produção de café no Brasil.

O Paraná, um estado até então dependente da monocultura do café, passaria por profundas transformações nas lavouras, nas receitas dos produtores e na reacomodação dos trabalhadores que ficaram sem emprego.

Sem renda e sem trabalho, pequenos produtores e trabalhadores do campo foram em busca de novas atividades nas regiões urbanas, promovendo um inchaço das cidades, que não estavam preparadas para receber um contingente tão grande de pessoas.

Foi o início de uma grande concentração de terras, uma vez que os pequenos proprietários, sem sustento, foram obrigados a passar suas propriedades adiante. A geada negra não foi a única responsável pela redução da produção de café. O Paraná já estava na mira do governo militar, que queria reduzir a monocultura, introduzindo novos tipos de lavoura, como soja e trigo, e liberar mais gente para a industrialização que o país buscava.

O café exigia muita mão de obra, enquanto as novas culturas, mecanizadas, reduziriam a força de trabalho no campo. Além disso, outras ocorrências climáticas, como a de 1953, já haviam dado um sinal de alerta sobre o perigo constante dessa atividade no Paraná.

O café moldou, a partir da década de 1950, o desenvolvimento do norte do estado, principalmente o de Londrina. As marcas dessa opulência podem ser encontradas até hoje nos nomes de hotéis, shoppings, teatro, bairros, escolas e estádio, todos com referência a variedades do "ouro verde", como era chamado o café.

A geada foi o fim de um ciclo importante de produção no estado e promoveu um êxodo rural estimado em 2,5 milhões de pessoas na década de 1970. Aquele período de movimentação de pessoas faz Edeni Ramos Vilela lembrar-se dos atuais refugiados de guerra, que vão em busca de outro lugar para sobreviver.

A família de Edeni viveu na pele os efeitos da geada negra de 1975. "Milhares e milhares de pessoas foram dispensadas das fazendas porque não tinham mais que fazer. Foram migrando para as cidades e formando assentamentos nas periferias".

Os pais dela optaram por continuar na roça, mas tiveram de encontrar outra atividade. "Meu pai saiu de casa e disse que só voltaria quando tivesse outro local de trabalho definido. Depois de passar 20 dias sem nenhum contato com a família, voltou com um caminhão para levar nossa mudança para outra região."

Acostumada com o cultivo de café, a família de Edeni teve de reaprender a lidar com outra atividade rural, uma vez que, no novo local de trabalho, só se cultivava cana-de-açúcar.

Na adolescência, já participando das atividades rurais, muita coisa mudou. "Tudo aquilo foi um baque muito forte, tanto economicamente como psicologicamente. Foram mudanças muito bruscas, que exigiram rápida adaptação", lembra.

Amauri Ramos da Silva, ainda criança, também vivenciou a geada negra em uma propriedade da família. No período da geada, sem conseguir ganhos suficientes para manter a propriedade, seu pai foi obrigado a vendê-la. "Uma coisa muito triste foi ver meu pai, com cinco filhos, passar de agricultor a boia-fria".

Folha Mercado

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Silva diz que sofreram muito economicamente. "Quando se conseguia o alimento do dia, não se tinha ideia de como seria o seguinte." Uma das suas lembranças mais fortes do período do café era a convivência no campo. Todos se conheciam e sempre se reuniam nas festas juninas, nos casamentos e nas rezas (os terços).

Hoje o café representa pouco na atividade econômica do Paraná em relação ao que já foi, mas as memórias dessa importante atividade estão registradas no Museu Histórico de Londrina e no Museu do Café. O Museu Histórico é um órgão complementar da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e está localizado na desativada estação ferroviária, que teve importante papel no transporte do café.

A cafeicultura é apresentada de forma viva, uma vez que o museu, atualmente em reforma, tem espaço para uma pequena plantação de café, que permite reproduzir o processo de colheita e secagem exatamente como era feito no passado. "As crianças podem ver todo esse processo", afirma Edméia Aparecida Ribeiro, diretora do museu e professora do Departamento de História da UEL.

No Museu do Café, os visitantes têm a oportunidade de conhecer todos os acessórios que acompanharam a produção, o processamento e o consumo da bebida.

O Paraná chegou a ter 1,8 milhão de hectares de área plantada com café na década de 1960, com produção de 20 milhões de sacas, 64% da produção total do Brasil, segundo Carlos Hugo Godinho, analista do setor no Deral (Departamento de Economia Rural) do Paraná.

Com a geada, o estado perdeu espaço, e novas regiões, como Minas Gerais, Espírito Santo e Rondônia, ganharam importância na produção cafeeira do país.

Os números da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) indicam que a área em produção com café ocupa 1,86 milhão de hectares no país atualmente. O Paraná tem apenas 25,5 mil hectares dessa área e produz 712 mil sacas, 1,26% dos 55,6 milhões previstos para o país neste ano.

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