Institutos militares atraem vestibulandos pelo desafio, e pressão vai além do estudo

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Durante a juventude, é comum ver um estudante mudar de cidade para cursar a graduação dos sonhos. Fernando Junior, 20, fez o caminho inverso: deixou São Paulo ainda adolescente não para entrar na faculdade, mas para passar no vestibular. Desde os 17 anos, vive em Fortaleza, onde dedica até 15 horas por dia à preparação para o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), um dos exames mais difíceis do país.

Ex-aluno nota dez no ensino médio, Fernando diz ter levado um choque ao começar o cursinho. Percebeu que não dominava tanto quanto imaginava. "Engoli o meu ego", diz. Ele está indo para a terceira tentativa.

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A rotina é intensa. "Já vi colegas pensarem em desistir. Ficar longe da família, estudar o ano todo e ser cortado por pouco mexe com o psicológico", afirma. Apesar da pressão, diz que nunca pensou em voltar atrás. "O ITA me atraiu pelo desafio e pela qualidade."

O ITA é uma das duas instituições militares de ensino superior mais seletivas do país, ao lado do IME (Instituto Militar de Engenharia), ligado ao Exército. Ambos aplicam vestibulares com alto grau de dificuldade, voltados a candidatos com domínio avançado de matemática, física e química. Mas não basta ir bem na prova: os aprovados ainda precisam passar por avaliação psicológica e inspeção de saúde.

Apesar das semelhanças nos conteúdos cobrados, os processos seletivos têm diferenças. O vestibular do IME é dividido em duas fases principais: uma prova objetiva, com índice histórico de reprovação de 75%, e outra discursiva, que elimina 40% dos candidatos restantes —ou seja, em média cerca de 15% são aprovados.

Depois disso, os aprovados passam por entrevistas. O IME forma engenheiros que podem seguir carreira militar na ativa ou optar pela reserva. A escolha da especialidade ocorre após dois anos de curso, conforme o desempenho do aluno.

Já no ITA, a seleção é feita em três etapas. A primeira é uma prova objetiva com 48 questões. A segunda, composta por quatro dias de exames discursivos, inclui também redação e língua portuguesa. A terceira etapa envolve exames de saúde e avaliação psicológica conduzidos por equipes da Força Aérea. Todos os calouros ingressam como militares, mas há a possibilidade de seguir o curso como civil após o primeiro ano, mediante aprovação de um pedido formal.

Segundo Henrique Bessa, professor e supervisor geral das turmas IME/ITA do pré-vestibular Farias Brito, onde Fernando estuda, a principal diferença desses vestibulares para os convencionais é a profundidade dos conteúdos cobrados. Apesar de menos disciplinas, o nível das questões está muito acima do que se vê no ensino médio tradicional.

A maioria dos alunos não passa na primeira tentativa. São dois, três, às vezes quatro anos de preparação em alta performance, o que exige apoio emocional e estrutura. No cursinho, os estudantes têm acesso a alojamento, alimentação e acompanhamento psicológico. A preparação é encarada como um projeto de médio a longo prazo.

"Muitas vezes o aluno se frustra vendo os colegas conseguirem e ele ainda não", diz Bessa, ressaltando a importância da saúde mental no processo. Fernando afirma que vê colegas passarem por isso, mas nunca se deixou abalar. "Entendi que cada um tem o seu próprio tempo."

Em São Paulo, o professor Robson Junior, coordenador da turma ITA do Poliedro Curso, diz que a frustração pode virar combustível, desde que o aluno aprenda com os erros.

MILITAR OU CIVIL?

Segundo Robson, para cada aluno interessado na carreira militar, há dois ou três que preferem seguir como civis. "Muitos buscam o ITA pelo prestígio acadêmico, não pela farda." Bessa concorda, mas diz que a curiosidade por ser da ativa tem aumentado entre os alunos.

À Folha o comandante do IME, general Juraci Ferreira Galdino, afirma que a maioria dos egressos da escola segue a carreira militar, mas há casos de pedidos de demissão para migrar para o setor privado.

Segundo Galdino, a rotina militar do aluno da ativa e da reserva, durante o primeiro ano, é exatamente igual: instruções uma tarde por semana, treinamento físico quatro vezes por semana e formatura geral semanal. A partir do segundo ano, os alunos da ativa continuam com a formação militar. Os da reserva, já declarados aspirantes a oficial, ficam apenas com as aulas acadêmicas.

No ITA, o cenário é o oposto. Segundo a instituição, cerca de três quartos dos egressos optam por atuar na iniciativa privada, especialmente em áreas como tecnologia, consultoria, bancos, indústria aeroespacial e startups. A formação acadêmica de militares e civis é idêntica no currículo, mas os alunos da ativa cumprem compromissos extras —treinamentos, cursos de formação e normas da Força Aérea.

Esse cenário de indecisão é o caso de Luis Guilherme, 23, aluno do Poliedro de São José dos Campos —cidade do interior paulista onde fica o ITA—, que ainda não sabe se seguirá carreira militar. Ele trancou o curso de engenharia aeroespacial na UnB (Universidade de Brasília) para tentar o instituto militar.

Como o instituto impõe limite de idade (23 anos), esta será sua última tentativa. Além disso, ele já não pode mais disputar vaga no IME, que aceita candidatos até 22.

Luis conta que, no passado, estudava das 5h à meia-noite, mas hoje tenta priorizar qualidade e equilíbrio. "Precisei abrir mão da vida social. Tudo em prol do vestibular." No alojamento do cursinho, diz que tem mais controle do tempo e que a competição saudável com os colegas o ajuda mentalmente.

Para o professor Robson, a frequência de simulados é essencial para que o estudante se acostume com o formato das provas. "Simulamos até o ponto em que a prova real pareça só mais um simulado."

O vestibulando Nixon Santos, 19, também ainda não decidiu qual caminho vai seguir. Conhecido no Colégio Preve, em Bauru, como "o cara que estuda pro ITA", diz se identificar com a rotina militar, mas vê mais liberdade na carreira civil. "Quero trabalhar fora do Brasil, e a carreira militar prende ao país", afirma.

Para ele, a formação oferecida pelo ITA é o principal atrativo. "Lá você pode ser desde um engenheiro ‘raiz’ até alguém do mercado financeiro. É um profissional completo." Sem plano B, Nixon diz que, por ser novo, ainda pode se dar ao luxo de apostar tudo em uma carta só. "Hoje o ITA é meu plano A, B, C e D."

Segundo Bessa, mesmo quem não conquista a vaga sai fortalecido. "Eles saem com a sensação de que não desperdiçaram tempo. Aprenderam a estudar, viveram um sonho e levam essa bagagem para a faculdade e para a vida."

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