Enquanto Rupert Murdoch se acomodava no camarote de luxo de Donald Trump para assistir à vitória do Chelsea na Copa do Mundo de Clubes no último domingo (13), tudo parecia bem em uma relação que moldou a América conservadora por mais de uma década.
Mas em poucas horas, o presidente dos Estados Unidos recorreria ao bilionário novamente, desta vez com exigências para que não fosse publicada uma carta embaraçosa, supostamente escrita por ele no álbum de recordações do 50º aniversário de Jeffrey Epstein, o pedófilo que mais tarde cometeria suicídio na prisão.
A carta datilografada supostamente incluía um desenho de uma mulher nua, no qual a assinatura de Trump aparece com destaque, com uma mensagem desejando que "cada dia seja outro maravilhoso segredo".
Os pedidos de Trump ao bilionário não tiveram sucesso. O Wall Street Journal —um dos jornais que Murdoch possui— publicou a história na noite de quinta-feira (17). Logo depois, Trump atacou Murdoch nas redes sociais, ameaçando "processar até a alma dele e a de seu jornal de terceira categoria".
No dia seguinte, ele cumpriu a ameaça, entrando com um processo contra Murdoch e as empresas controladoras do Wall Street Journal.
A ruptura sinaliza que Murdoch, 94, está avaliando se Trump está perdendo seu controle sobre o movimento Maga (acrônimo para Make America Great Again, ou Faça a América Grande Novamente) devido ao caso Epstein, segundo pessoas próximas ao bilionário da mídia.
"Ele está testando: Trump está perdendo a base nesse assunto? E onde eu preciso estar para permanecer no coração da base?", disse um ex-assessor de Murdoch. "Porque o Rupert acha que vai viver para sempre. Ele quer superar a mãe dele, que chegou aos 102 ou 103 anos. Ele sente que ainda tem tempo, e que Trump vai passar."
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"Trump continua extremamente popular entre os eleitores republicanos, com 88% do eleitorado do Partido Republicano aprovando o trabalho que ele vem fazendo como presidente, de acordo com uma pesquisa recente da CNN. Mas, durante a última semana, ele tem tido dificuldades para conter as críticas de alguns dos maiores nomes do movimento Maga sobre a forma como seu governo lidou com o caso Epstein.
Tucker Carlson e Megyn Kelly, ex-apresentadores da Fox News, junto com os influenciadores Maga Charlie Kirk e Laura Loomer, estão entre as vozes mais ativas na exigência de que Trump divulgue mais informações ou demita a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, pela condução de documentos relacionados a Epstein.
No entanto, Kelly, Kirk e Loomer estão entre os apoiadores de Trump que se apressaram em rejeitar a reportagem republicana pelo WSJ na quinta. Kelly chamou-a de "tentativa de ataque mais estúpida" que ela já leu.
Trump processou Murdoch, a Dow Jones e a News Corp na sexta-feira (18), no mais recente exemplo de como o presidente busca intimidar a imprensa com processos. As emissoras CBS e ABC pagaram US$ 16 milhões (cerca de R$ 88,7 milhões) cada para encerrar ações judiciais movidas por Trump, vitórias que ele mencionou ao ameaçar Murdoch e o WSJ.
"Estou ansioso para fazer Rupert Murdoch testemunhar em meu processo contra ele e seu jornal 'monte de lixo', o WSJ", Trump publicou na sexta. "Será uma experiência interessante!"
Um porta-voz da Dow Jones, que edita o Wall Street Journal, disse em nota: "Temos total confiança no rigor e precisão de nossa reportagem, e defenderemos vigorosamente contra qualquer processo".
A investida de Trump e o processo vieram após vários dias de lobby para barrar a matéria do Wall Street Journal. Segundo Trump e pessoas próximas ao caso, o presidente e a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, fizeram múltiplas ligações para a editora do Wall Street Journal, Emma Tucker, bem como para Murdoch e o CEO da News Corp, Robert Thomson.
O WSJ entrevistou Trump na noite de terça-feira (15), dois dias antes da publicação da reportagem, quando ele negou ter escrito a carta ou feito o desenho. Ele também disse que processaria o jornal —uma ameaça que repetiu em uma publicação na noite de quinta-feira, logo após o texto ir ao ar, dizendo que a história é "falsa, maliciosa e difamatória".
O vice-presidente J.D. Vance correu para defender seu chefe em uma publicação no X no final da quinta-feira: "Esta história é uma completa e absoluta besteira. O WSJ deveria ter vergonha de publicá-la. Onde está essa carta? Você ficaria surpreso ao saber que eles nunca a mostraram para nós antes de publicá-la?"
Funcionários atuais e antigos de Murdoch dizem que ele é conhecido por defender seus jornalistas.
"Apesar de todas as coisas terríveis que Rupert Murdoch fez nos últimos 60 anos, ele é verdadeiramente um homem de jornal", disse Gabriel Kahn, ex-correspondente do Wall Street Journal e professor de jornalismo na Universidade do Sul da Califórnia.
Kahn, que já chefiou a sucursal do jornal em Los Angeles, citou múltiplos casos em que chefes de estúdios de Hollywood ligaram para Murdoch tentando derrubar pautas. "Murdoch lhes dizia: 'Desculpe, vai ser publicado'."
"Ele adora estar no centro disso. O homem ama notícias, e adora um bom furo de reportagem. Ele não é do tipo que mata uma história."
A publicação da reportagem do WSJ é um novo golpe na relação entre Murdoch e Trump —uma aliança que tem sido extremamente benéfica para ambos, mas que às vezes pareceu conturbada.
Ao longo dos anos, o apoio de Murdoch ao ex-astro de reality show oscilou. Pessoas próximas ao bilionário afirmam que ele nunca foi pessoalmente fã de Trump. Murdoch demorou para apoiar a campanha do republicano à Presidência em 2016 e, em 2024, tentou reunir o partido em torno de outros candidatos.
Após os ataques de 6 de janeiro de 2021, em Washington, Murdoch disse a um executivo da Fox News que queria "transformar Trump uma não-pessoa", segundo emails divulgados como parte de um processo relacionado à veiculação de alegações falsas de fraude eleitoral.
O ex-braço direito de Murdoch afirma que o bilionário usa seus diferentes veículos de mídia nos EUA —o Wall Street Journal, a Fox News e o New York Post— para ter "três maneiras de apresentar uma história" conforme os vários públicos. "É seu modus operandi, ele está atendendo a seus diferentes eleitorados."
A página editorial do Wall Street Journal —por décadas uma voz trovejante do conservadorismo— tem criticado Trump durante seu segundo mandato em questões como tarifas, vacinas e imigração.
Essa crítica claramente irritou o presidente, que rotulou o jornal como "o Globalista, e sempre errado, Wall Street Journal". Em abril, Trump disse que Murdoch "deveria começar a fazer mudanças no Wall Street Journal que ama a China. É uma droga!"
No entanto, o segundo mandato de Trump tem sido um bom negócio para o jornal. No trimestre encerrado no final de março, o jornal alcançou mais de 4,3 milhões de assinaturas, um aumento de 3% em relação ao ano anterior, com assinaturas digitais subindo 5%.
A Fox, enquanto isso, viu o público aumentar com o retorno de Trump à Casa Branca, facilmente superando as redes concorrentes e, em algumas noites, tornando-se o canal mais assistido em toda a televisão americana.
"Trump é extremamente importante para a Fox News, e a Fox News é extremamente importante para Murdoch", disse a analista de mídia Claire Enders. "Ele se vê como o guardião do conservadorismo americano."
Trump usou o New York Post para se promover como um aspirante a magnata do mercado imobiliário nas décadas de 1970 e 1980, às vezes vazando histórias sobre si mesmo para a coluna de fofocas Page Six.
Mas o jornal pareceu se voltar contra ele em 2022 após o anúncio de Trump de que estava concorrendo à Presidência novamente. A manchete do jornal foi "Been there, Don that" (Já estivemos lá, já fizemos isso) e a história foi escondida na página 26.
"[Murdoch] teve seus altos e baixos com Trump o tempo todo. Sei com certeza que nunca gostou dele, acha que ele é grosseiro, mas não quer ser ultrapassado e perder a base conservadora americana", disse o ex-assessor de Murdoch.
A estranha tensão do relacionamento deles ficou evidente em fevereiro, quando Murdoch apareceu na Casa Branca com um grupo de jornalistas para assistir Trump assinar um decreto. Com Murdoch sentado a poucos metros, Trump chamou Murdoch de "um cara incrível", mas também disse aos jornalistas que teria "que conversar com ele" sobre as críticas do WSJ, que havia publicado recentemente um editorial criticando suas tarifas como "a guerra comercial mais estúpida da história".
Dentro da redação do Wall Street Journal, após a publicação da história de Epstein, havia entusiasmo por ter "uma história bombástica".
"A reportagem explodiu em audiência, e conseguimos alguns novos assinantes com isso", disse um funcionário. "Todo mundo parece satisfeito."
Havia um sentimento de que o WSJ, ao contrário da ABC e CBS, não estaria disposto a pagar a Trump ou a sua biblioteca presidencial para encerrar o processo.
"Não consigo imaginar isso", diz o ex-braço direito de Murdoch. "Não consigo vê-los pagando a Trump. Eu poderia vê-los demitindo algumas pessoas ou trazendo alguns nomes novos."
"Qual é a influência que [Trump] tem sobre a News Corp neste momento?", questiona Kahn, professor de jornalismo na Universidade do Sul da Califórnia. "Quando ameaçado com esse tipo de coisa, acho que Murdoch surpreendentemente mostra alguma firmeza."