Jovens são apaixonados, irascíveis e inclinados a se deixarem levar por seus impulsos. Poderia ser um desabafo de uma mãe ou pai de adolescente do século 21, mas quem falou isso foi Aristóteles mais de 2.000 anos atrás. Antes dele, seu mestre, Platão, já alertava contra o consumo de bebida alcoólica até os 18 anos —"não se pode colocar fogo no fogo", dizia.
As observações dos dois filósofos mostram que alguns traços típicos dessa fase da vida são percebidos ao menos desde a Grécia Antiga. Mas a ideia de que existe uma etapa do desenvolvimento humano entre a infância e a vida adulta —a adolescência como conhecemos hoje— demorou muito mais para se consolidar.
Em boa parte da história, assim que atingiam a puberdade, as crianças assumiam funções adultas, como trabalho e casamento. A ideia de uma transição gradual, com direitos, deveres e comportamentos específicos, só se consolidou no século 20, a partir de transformações sociais, econômicas, culturais e científicas.
A palavra adolescência vem do latim adolescere, que significa "crescer", e foi mencionada pela primeira vez em língua inglesa em 1430. "Mas o reconhecimento desse período como um estágio de desenvolvimento separado só foi oficialmente inaugurado pelos estudos do [psicólogo americano] Stanley Hall em 1904", explica a psicóloga Teresa Helena Schoen, doutora em pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pesquisadora da adolescência e sua história.
Em um de seus artigos, ela cita uma frase que sintetiza esse movimento: "A psicologia do adolescente tem um longo passado com uma curta história". "Essas mudanças [comportamentais e biológicas] sempre ocorreram, mas as famílias e os professores sabiam disso apenas intuitivamente. O estudo do desenvolvimento humano foi evoluindo e fenômenos como a industrialização, a tecnologia e as pesquisas sobre o cérebro foram impulsionando essas descobertas", afirma.
Ao mesmo tempo, foi surgindo uma cultura jovem, puxada por fatores como a escolarização obrigatória, que manteve grandes grupos de estudantes da mesma idade reunidos fora do mercado de trabalho, e o "baby boom" depois da Segunda Guerra. "Com o aumento dos nascimentos e o avanço da medicina, esses bebês alcançaram a adolescência. Era a primeira vez que havia tantos jovens e eles estavam juntos, na escola, nos grupos de escoteiros", relata Schoen.
Organizadora do livro "História dos Jovens no Brasil" (Unesp, 2022), entre outras obras que abordam infância e juventude, a historiadora Mary del Priore, acrescenta que, apesar de sempre ter havido jovens que fugiam ao sistema, via de regra a adolescência era uma fase marcada pela obediência aos mais velhos e pela imitação de seus padrões. "Temos vários documentos do século 19 que mostram que os meninos se vestiam como os mais velhos desde cedo, queriam usar óculos, ter bigode, barba", afirma.
Isso começa a mudar com os movimentos artísticos dos anos 1920, como a Semana de Arte Moderna, com o crescimento das cidades e a chegada do rádio e do cinema. "A juventude passa a se estruturar como um momento de novos comportamentos, algo que não existia antes. O homem jovem vai ter cabelo comprido, que o pai dele não tinha, a menina jovem vai usar minissaia, que a mãe dela não usava", diz.
A cultura do esporte e da praia também ajudou a conformar a identidade adolescente no país. "A praia, que antes era lugar de velho e de criança, é redescoberta nos anos 1960 e 1970. Os jovens vão aderir aos esportes radicais como o surfe e a modismos como montanhismo e vegetarianismo. Isso tudo vai condensando uma nova forma de ser jovem que não existia."
Priore lembra, porém, que a adolescência como uma fase de formação, lazer e experimentação é um privilégio acessível para poucos. "A adolescência em países pobres como o Brasil sempre foi lugar de auxílio à família. O próprio conceito de meritocracia vem sendo questionado por conta disso: são poucos os que podem crescer cercados de livros, viagens e possibilidades econômicas."
A OMS (Organização Mundial da Saúde) define a adolescência como um período biopsicossocial que compreende a segunda década da vida, ou seja, dos 10 aos 19 anos. No Brasil, o Ministério da Saúde segue esse parâmetro, enquanto o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) considera a faixa dos 12 aos 18 anos.
Recentemente, estudos mostraram que a maturação cerebral do ser humano só termina aos 25 anos e surgiu uma teoria que define jovens com idade entre 18 e 25 como "adultos emergentes" —aqueles que já têm os direitos de um adulto, mas não assumiram responsabilidades como emprego estável, casamento e parentalidade.
Para Schoen, da Unifesp, as descobertas sobre o funcionamento do corpo e das emoções na adolescência possibilitam o surgimento de leis que protegem essa população e de uma educação que leve em conta essas particularidades.
"Antigamente, a educação autocrática obrigava o jovem a ficar quieto para não ter que ajoelhar no milho. Ele se adaptava, mas ao custo de extremo sofrimento", diz.
"Se hoje sabemos que o adolescente precisa crescer no período do estirão e que o hormônio do crescimento é liberado durante o sono, entendemos que ele não é preguiçoso: ele realmente precisa dormir mais. Se eu sei que para conseguir a mesma coisa que eu ele precisa de mais esforço, posso lhe dar uma ajuda ou mais tempo."