Alunos de diversas partes do mundo que querem estudar nos Estados Unidos estão reduzindo a presença online, deixando de seguir celebridades e políticos, pedindo a amigos e familiares que parem de enviar links de notícias e vasculhando suas próprias atividades na internet em busca de postagens que tenham qualquer sinal de conteúdo político sensível.
Candidatos ao visto americano de estudante disseram ao jornal The Washington Post que essa limpeza é motivada pelo medo de que um simples like ou um meme, se mal interpretado, possa comprometer anos de esforço —especialmente sob os novos procedimentos rigorosos de triagem de vistos impostos pelo presidente Donald Trump. Empresas de tecnologia também começaram a oferecer ferramentas para limpar e monitorar perfis de estrangeiros na internet.
No mês passado, o Departamento de Estado anunciou uma "triagem expandida", instruindo os candidatos a deixarem suas contas de redes sociais públicas. Um comunicado interno obtido pelo Washington Post orienta os funcionários consulares a buscar "qualquer indicação de hostilidade contra os cidadãos, cultura, governo, instituições ou princípios fundadores dos Estados Unidos".
"Qualquer coisa que pudesse ser vista como ‘tomar partido’, eu parei de seguir. Deixei de seguir AOC [Alexandria Ocasio-Cortez, deputada democrata], Kamala, Biden, Obama, todo mundo", disse Madeline, uma candidata ao visto. Ela e outros estudantes entrevistados pediram anonimato parcial ou total, com medo de prejudicar suas chances no processo.
"Parece algo distópico", disse ela.
Um candidato disse que "descurtiu todas as publicações [de Kamala Harris] dos últimos cinco meses". Outro afirmou que, por precaução, deixou de seguir pessoas com a bandeira da Palestina ou o emoji de melancia no perfil —símbolo associado ao apoio à causa palestina.
A nova regra se aplica a candidatos a vistos para programas acadêmicos, vocacionais e de intercâmbio nos EUA. No ano passado, mais de 1 milhão de estudantes internacionais estudaram no país.
"Essa é uma política de bom senso", disse um funcionário do alto escalão do Departamento de Estado ao ser questionado sobre os novos critérios de triagem. Os funcionários buscam sinais de "ameaça potencial à segurança nacional, como apoio ao terrorismo ou hostilidade aos americanos e ao nosso modo de vida", afirmou.
"Solicitar um visto é voluntário, e cada pessoa é livre para decidir se quer ou não viajar para os Estados Unidos", declarou o departamento.
‘Princípios fundadores’
Alguns candidatos disseram que as precauções que tomaram —por medo de parecerem contrariar os "princípios fundadores dos Estados Unidos"— estão em desacordo com os mesmos ideais que os motivaram a querer estudar lá.
"Certamente os princípios fundadores são, você sabe, poder se manifestar", disse um candidato ao visto interessado em direitos humanos.
Lá Fora
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Sem saber quão ampla seria a interpretação dos oficiais consulares, ele adotou o que chamou de "abordagem cautelosa". Apagou postagens desde 2007 e deixou de seguir contas com nomes árabes, até mesmo grupos de cinema. Neste mês, ele viu um vídeo no Instagram sobre trabalho voluntário no Afeganistão: "Isso vai parecer bobo, mas eu curti e depois descurti", disse ele.
"Diante de diretrizes irracionais, a resposta também acaba sendo irracional", afirmou.
Outro estudante internacional contou que apagou um meme que dizia "quero socar uma parede", que ele publicou após descobrir um problema temporário com seus créditos no curso de dança com receio de que as autoridades migratórias interpretassem isso como incitação à violência.
No Reddit, candidatos nervosos se reúnem para trocar experiências: "É melhor desativar as redes sociais?", perguntou um usuário. Alguns incentivam, outros alertam contra a medida, dizendo que isso pode levantar mais suspeitas. O Departamento de Estado orientou os consulados a lembrarem os candidatos de que "acesso limitado ou visibilidade reduzida de suas atividades online pode ser interpretado como tentativa de esconder algo".
Caio Fernandes, mestrando em literatura comparada na Áustria, disse que quase todas as perguntas durante sua entrevista de visto, em 25 de junho, foram sobre o fato de ele não ter redes sociais. Seu pedido para um programa de intercâmbio semestral foi rejeitado sob a justificativa de que ele não comprovou "intenção de não imigrar".
"Acho que, no fim das contas, ela [a agente consular] achou que eu estava escondendo algo", contou Fernandes.
"A embaixada tem ampla discricionariedade para aprovar ou negar", disse o advogado de imigração Richard Herman. "Eles não são obrigados a explicar todas as razões. Não há um processo de apelação" e há pouquíssima supervisão.
Ainda assim, Herman aconselha os estudantes: "Respirem fundo. Não saiam deletando suas contas".
Pagar para apagar
O memorando do Departamento de Estado orienta os funcionários consulares a investigarem os candidatos "na máxima extensão possível", incluindo uma análise de toda a sua presença online —não apenas redes sociais. Agora, empresas de tecnologia especializadas em apagar dados ou fazer triagem digital aproveitam o momento para anunciar seus serviços a estudantes internacionais.
Uma delas, a Phyllo, promove sua ferramenta de triagem com IA com o slogan: "Sua jornada nos EUA não deveria acabar por causa de uma postagem antiga". A ferramenta varre os perfis dos clientes e classifica o "risco de conteúdo" com uma barra gráfica, avaliando elementos como "extremismo religioso", "conteúdo político" e "defesa de imigração ilegal".
A Redact.dev, que ajuda usuários a excluir postagens em massa, divulgou um alerta logo após as novas diretrizes: "Agora é a hora de revisar sua presença online e apagar opiniões antigas ou posições políticas extremas".
O nível de preocupação com discursos políticos é novo, disse Dan Saltman, CEO e fundador da Redact.dev. A empresa cresceu 15% ao mês neste ano, com aumento de usuários no Leste Asiático, segundo ele.
A triagem mais rigorosa ocorre no contexto de uma repressão, liderada pelo governo Donald Trump, contra o ativismo pró-Palestina nos campi universitários, inclusive entre estudantes internacionais que já estão nos EUA.
O memorando do Departamento de Estado orienta os funcionários a "considerarem a probabilidade" de que candidatos com "histórico de ativismo político" continuem a se engajar nessas atividades. A orientação é prestar atenção especial a ativismo relacionado à violência, antissemitismo ou apoio ao terrorismo.
"Eu compartilhava muitas postagens sobre a guerra em Gaza", disse Madeline. "Nos meus stories, era o dia inteiro só isso." Mas, durante o processo de visto, ela avisou os amigos: "A partir de agora, não falo mais sobre política".
Uma futura aluna de mestrado da Índia era uma das 76 milhões de seguidoras da modelo Gigi Hadid, de ascendência palestina e que já se manifestou a favor da Palestina. "Ela é uma modelo maravilhosa", disse a estudante. "Mas fico me perguntando: ‘Será que seguir ela significa que eu apoio um lado na guerra? Isso pode ser motivo para negarem meu visto?’"
Agora, ela diz que tornou sua identidade online "insípida". "Sua autoexpressão fica completamente restringida."
Juliano, um futuro intercambista, questionou-se sobre pessoas que publicaram por décadas no Twitter ou Reddit: "O que acontece se você muda de opinião sobre algo que acreditava no passado? Como isso vai ser julgado?"