A conversa com Ailton Krenak foi um dos pontos altos do 69º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha. Eu estava tão ansiosa para esse evento que não consegui dormir. Passei a madrugada imaginando como seria e separei três livros para que ele os autografasse. E foi melhor do que eu esperava.
O Manual da Redação da Folha diz que os jornalistas devem evitar o uso de clichês para preservar a objetividade da informação, mas preciso abrir uma exceção para dizer que o programa de treinamento foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida nesses últimos dois anos. A aula com Ailton Krenak me fez pensar que ter escolhido o jornalismo não foi uma decisão equivocada e que a natureza precisa ser preservada para o futuro da humanidade.
Entre todos os presentes, ninguém conseguia esconder a empolgação de conhecer o grande pensador da essência humana, em pleno feriado de Corpus Christi. É difícil pensar até por quais títulos podemos chamá-lo: ambientalista, filósofo, imortal da ABL, poeta. Krenak é tudo isso e mais um pouco —o que nos deixou muito felizes naquela manhã ensolarada.
A conversa foi muito importante para retomar alguns assuntos que foram discutidos durante esses meses com a nossa turma. Logo no início, destacou-se a importância de pensarmos a pauta ambiental a partir da nossa localização. Voltamos nossa atenção para os problemas da amazônia, enquanto o ecossistema local esmorece pela atividade humana predatória. Do mesmo jeito que o Vale do Rio Doce, onde mora Krenak, está sendo consumido pela predação do mundo, a região metropolitana de São Paulo é devorada pela expansão da atividade humana, que nos segrega.
As quase duas horas de conversa passaram muito rápido. Apesar do assunto preocupante, chamou a atenção a sua capacidade de síntese e oratória. Era como se estivéssemos conversando com um tio querido. A propriedade com que tratava de assuntos da dimensão humana me lembrou minha professora de geografia do ensino médio. Ziza foi uma das pessoas que me incentivaram a estudar jornalismo, porque eu perguntava demais nas aulas dela.
Anotei várias frases importantes desse encontro: "Estamos todos entre o espeto e a brasa"; "Nosso modo errado de operar a Terra deu metástase"; "Será que Machado de Assis já sabia que os malucos do hospício chegariam ao poder?"
Krenak alfinetava, contava parábolas e trazia exemplos de sua vivência, e nós pensávamos num projeto de futuro possível — se houver um.
O jornalismo repete as ideias para adiar o fim do mundo há pelo menos 30 anos. Compartilhamos que tudo pode ser reciclado, que uma nova invenção surge mais eficiente para salvar o meio ambiente —mas, para criá-la, devemos explorar a outra metade. No fim, nada é sustentável; não conseguimos mais produzir algo que dure, com começo, meio e fim.
Não devemos apenas noticiar catástrofes, dados técnicos e lobby dos setores da economia. Podemos usar nosso espaço para questionar a hegemonia e ecoar a voz dos que estão, de fato, preservando a natureza para sobreviver.
No final, ele autografou meus livros e fez cara de curiosidade quando eu disse que li todos os seus livros em sequência, em um único dia. Nos momentos finais da conversa, criei coragem e fiz uma pergunta —que saiu bem clichê— sobre o que nós, jovens, podemos fazer para adiar o fim do mundo. A resposta, entendida nas entrelinhas de uma parábola em que um lobo devorava um carneirinho, me fez pensar que gostamos de dar ênfase ao desejo de adiar o fim do mundo.
Mas adiar... para quê? E, quando acabar, será que teremos algum jornalista lá?
Este texto foi produzido durante o 69º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e pela Philip Morris Brasil. O curso teve ênfase em meio ambiente.