As virtudes do ajuste fiscal da Argentina

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Em 2024 o PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina se encontrava no mesmo nível de 2011. A economia, que ficou estagnada por 13 anos, também conviveu com uma inflação extremamente elevada. A crise estagflacionária tinha por origem um déficit fiscal crônico, marcado pela incapacidade de os governos priorizarem gastos e implementarem medidas efetivas para equilibrar o orçamento.

As estratégias anteriores, ao contrário, contornavam estes problemas introduzindo medidas que ampliavam ainda mais as distorções e ineficiências econômicas existentes, a exemplo da imposição de controle de capitais e de políticas protecionistas, conforme detalhado por Cavalcanti e Fragelli no Valor.

Mas uma mudança de rota tornou-se possível com a vitória de Milei, que instituiu um plano de recuperação da estabilidade macroeconômica centrado no equilíbrio das contas públicas. O governo se comprometeu com metas de superávits anuais, mas vem cumprindo esta promessa desde o início do governo, e a cada mês desde então. Ainda mais ambiciosa foi a ampliação da meta de superávit primário deste ano, de 1,3% para 1,6% do PIB, acima do que havia sido inicialmente negociada com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Para se ter uma ideia do que isto representa, este é um esforço fiscal que gira em torno de 5% do PIB.

De forma mais importante, o ajuste está sendo implementado através de cortes de gastos em políticas ineficientes, como nos subsídios em tarifas de energia e transporte, que não são focalizados. Apesar do desafio fiscal, a reformulação da rede de proteção social está preservando os programas assistenciais que são dirigidos às crianças, fortalecendo as transferências para as famílias com filhos pequenos em situação de vulnerabilidade, no chamado "Asignación Universal por Hijo," uma espécie de Bolsa Família de lá.

Os resultados obtidos até então são impressionantes. Este ano, o crescimento deve superar 5%, e as perspectivas de médio e longo prazo se tornaram mais favoráveis. A inflação corrente encontra-se em torno de 40%, mas espera-se que termine o ano abaixo de 30%, vindo de um pico de mais de 200% no ano anterior. Os ganhos no poder de compra da moeda, que preserva a renda das famílias, aliados à expansão focalizada da proteção social foram capazes de retirar 1,7 milhão de crianças da pobreza em pouco mais de um ano, segundo a Unicef.

A estabilidade macroeconômica é condição intransponível para liberar todo o potencial de crescimento da Argentina, mas os desafios da economia não se encerram nela. A abertura da economia e a redução dos gastos públicos traz mais dinamismo —e mais competição— ao setor produtivo, que precisará responder a esta nova realidade. Há otimismo no potencial de produção e exportação de commodities agrícolas, energéticas e metálicas, que hoje produzem pouco por conta de tarifas sobre as exportações e de gargalos de investimento em infraestrutura, transporte e logística. O mercado de trabalho, que falhou em criar condições para o crescimento do emprego e empurrou muitas pessoas para a informalidade, pode ser flexibilizado, e é uma outra frente promissora para reformas.

A Argentina está mostrando que o equilíbrio das contas públicas alcançado através de cortes em gastos ineficientes traz inúmeros benefícios à população pobre. E lembra que a indisciplina fiscal recorrente cobra um preço caro: quando a credibilidade se perde, os ajustes fiscais precisam ser entregues de forma imediata. Se ajustes fiscais prometidos nunca são entregues, até quando se acredita nestas promessas? Estas são duas lições que o Brasil já aprendeu, mas que teima em esquecer.

Folha Mercado

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