A fabricante chinesa BYD deve superar a Tesla em vendas globais de veículos elétricos (EVs) em 2025, acirrando a competição em um dos principais eixos da disputa tecnológica entre China e Estados Unidos.
Até poucos anos atrás, a vantagem da Tesla parecia incontestável, sobretudo em software e automação. Mas a BYD aproveitou o período em que a rival americana se concentrou em novos mercados e em questões políticas domésticas para acelerar em inovação, cortar custos e expandir a produção.
Em 2024, a BYD alcançou receita anual superior a US$ 100 bilhões e vendeu 4,27 milhões de veículos, quase dez vezes mais do que em 2020. Desses, 1,76 milhão eram EVs puros. Já a Tesla vendeu 1,79 milhão de carros elétricos no mesmo ano.
Na China, a BYD detém hoje 21% do mercado, contra 8% da Tesla. O domínio local se consolidou com preços mais baixos e avanços tecnológicos. Em fevereiro, a empresa chinesa apresentou o "God’s Eye", sistema avançado de assistência ao motorista que antecipa funções autônomas. Em março, anunciou um carregador capaz de fornecer cerca de 470 km de autonomia em cinco minutos, bem mais rápido que os sistemas da Tesla.
A BYD também adotou métodos como o gigacasting, técnica de fundição de peças inteiras do chassi que a Tesla introduziu na China em 2021. No entanto, rivais chinesas como a Xpeng já usavam em 2023 versões mais leves e rígidas do sistema. Além disso, fabricantes chineses melhoraram componentes como cabos leves de alumínio para recarga e bombas de refrigeração, inicialmente desenvolvidos pela Tesla.
Os fabricantes chineses também fizeram suas próprias inovações. Segundo análise da consultoria Caresoft, a BYD introduziu cerca de 100 métodos para economizar em peças e materiais que, se adotados pela Tesla, poderia representar uma economia entre US$ 350 e US$ 885 por veículo. Em contrapartida, a BYD também poderia economizar até US$ 1.860 por veículo se aplicasse algumas das ideias da Tesla usadas em seu sistema de freios e equipamentos de troca de calor.
O crescimento da BYD se apoia em um ecossistema industrial altamente integrado na China, com cadeias de suprimento agrupadas, investimentos em infraestrutura e grande disponibilidade de engenheiros. Esse modelo favorece ciclos rápidos de inovação e cortes de custos.
A Tesla, por sua vez, ainda detém vantagens em software e IA, graças a bilhões de horas de vídeo para treinar seus sistemas de direção autônoma e acesso privilegiado a chips da Nvidia. Porém, enfrenta restrições de dados na China: não pode transferir os vídeos gerados pela frota chinesa para fora do país, nem treinar seus algoritmos na China, criando uma diferença qualitativa entre as versões chinesa e global de seu Full Self-Driving (FSD).
Enquanto isso, a BYD planeja embarcar o God’s Eye em quase todos os seus modelos sem custo adicional, ampliando a base de coleta de dados. Em 2025, com mais de 5 milhões de veículos vendidos por ano, cada carro ajudará a treinar os algoritmos da empresa, fortalecendo sua posição na corrida pela condução autônoma.
O avanço da BYD também depende de componentes estrangeiros. Seu sistema God’s Eye usa chips da Nvidia e softwares de parceiros como a chinesa Momenta, apoiada pela General Motors. Isso cria riscos em meio às tensões geopolíticas, já que exportações de chips podem ser restringidas. Para contornar essa vulnerabilidade, analistas preveem que a BYD substituirá progressivamente os chips estrangeiros por modelos chineses, como os da Horizon Robotics.
A Tesla, por outro lado, aposta fortemente no desenvolvimento de robotáxis e de tecnologias de IA como o robô humanoide Optimus para sustentar seu crescimento futuro. A empresa mantém um valor de mercado de cerca de US$ 1 trilhão, reflexo da confiança dos investidores em sua capacidade de liderar o segmento premium, mesmo com menor volume de vendas que a BYD.
Na China, no entanto, a Tesla enfrenta não apenas concorrência técnica e de preço, mas também fatores políticos. Existe uma espécie de "regra informal" de preferência por marcas locais. Para consumidores chineses, há um constrangimento em optar por um Tesla quando há pressão para comprar produtos nacionais.
A escalada da disputa evidencia mudanças profundas no setor automotivo global. Fabricantes ocidentais que antes eram parceiros dominantes na China, como Volkswagen e Toyota, agora buscam aprender com os chineses. Em vez de impor tecnologia, tentam absorver métodos para reduzir custos e acelerar desenvolvimento.
Folha Mercado
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A própria decisão do governo chinês de permitir que a Tesla operasse integralmente sua fábrica em Xangai —ao contrário das exigências de joint ventures impostas a outras montadoras estrangeiras— foi pensada para acelerar o aprendizado local. A transferência de tecnologia e know-how, embora arriscada para a Tesla, foi considerada compensadora para acessar o maior mercado mundial.
Hoje, a BYD simboliza a maturidade e a ambição da indústria automotiva chinesa. Mesmo sem ter, por ora, a mesma sofisticação em software que a Tesla, seu volume, sua verticalização e sua capacidade de adaptação dão força para consolidar uma liderança global. A empresa também sinaliza que deve ampliar o desenvolvimento interno de softwares e sistemas autônomos para reduzir dependências externas.
Essa trajetória reflete uma estratégia mais ampla de Pequim para garantir autossuficiência em setores críticos, em resposta a restrições e sanções impostas pelos EUA. A BYD representa, assim, não apenas uma rivalidade empresarial, mas um capítulo central na disputa tecnológica entre as duas maiores economias do mundo.