O Estado de São Paulo foi condenado a pagar uma indenização de R$ 350 mil por danos morais coletivos à população negra.
A decisão, de segunda instância, foi tomada em razão de um episódio ocorrido em outubro de 2020, na gestão João Doria (PSDB), quando a Polícia Militar monitorou por três horas um grupo de 14 pessoas, sendo dois guias, que faziam uma caminhada turística por locais e monumentos representativos da comunidade negra.
O tour, denominado "Caminhada São Paulo Negra", ocorre desde 2018 no centro da cidade de São Paulo e percorre pontos como a Igreja dos Enforcados, a Estátua Zumbi dos Palmares, a Ladeira da Memória, a Galeria do Reggae e o Pelourinho da Praça Sete de Setembro, onde hoje fica o Fórum João Mendes.
Promovido por uma empresa particular, a Black Bird Viagem, custava R$ 60 por pessoa à época.
Durante o trajeto, de acordo com ação aberta pela Defensoria Pública, o tour passou a ser monitorado por policiais em motocicletas, viaturas e PMs da cavalaria, que se revezavam.
"Eles passaram a acompanhar o evento como se fosse para garantir alguma coisa", disse uma testemunha à Justiça, ressaltando que outros grupos que caminhavam na região central não receberam o mesmo tratamento.
Os membros da caminhada relataram terem sido "fechados" pelas motocicletas no Largo São Francisco. No Vale do Anhangabaú, dois policiais teriam encurralado as pessoas contra a parede com seus cavalos.
FolhaJus
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Um participante do tour afirmou à Justiça que se sentiu constrangido e com medo.
"Os guias esqueceram falas, ficaram nervosos, inibidos, tanto que, ao fim do percurso, foi oferecida aos participantes a oportunidade de fazer outra caminhada, pois a organização achou que eles não conseguiram aproveitar o programa", disse à Justiça Guilherme Soares Dias, idealizador da caminhada.
O desembargador Paulo Galizia disse que o grupo foi "discriminado, tratado de forma diversa, sem qualquer justificativa razoável".
"É evidente que a mera escolta policial, em situação em que outros grupos não são escoltados, causa constrangimento", declarou. "Houve violação a direitos fundamentais da população negra, com desrespeito à igualdade e à própria liberdade."
O Estado ainda pode recorrer.
Na defesa apresentada à Justiça, a gestão estadual disse que não houve qualquer arbitrariedade ou ilegalidade por parte dos policiais militares. Afirmou que não houve atos discriminatórios, bem como qualquer perseguição ou constrangimento.
"Toda a atuação dos policiais militares restou pautada no dever legal de manutenção da ordem pública, por meio de policiamento preventivo e ostensivo, como ocorre em qualquer ato público (manifestações, caminhadas, aglomerações em geral) com o objetivo de garantir a integridade física dos participantes e de terceiros, realizar o controle de tráfego veicular e monitorar eventual aumento progressivo da quantidade de pessoas", declarou na ação.
"Não houve qualquer abordagem ou cerceamento do direito deslocamento ou permanência", afirmou o Estado à Justiça. "As alegações no sentido de que a mera presença dos policiais em local próximo resultaria de discriminação racial não passam de ilações retóricas desprovidas de fundamento e de comprovação fática".
Os valores da indenização, segundo a decisão, terão de ser revertidos a um fundo público destinado a viabilizar projetos culturais e artísticos em favor da população negra.