A cobrança de imposto sobre imposto é uma das muitas mazelas responsáveis pelo bilionário contencioso tributário nacional. Em tese, a reforma aprovada em 2023 acaba com essa distorção em relação aos novos tributos sobre o consumo. A Constituição diz expressamente que a nova contribuição federal sobre bens e serviços (CBS) não entrará na base de cálculo do imposto gerido por estados e municípios (IBS) —e vice-versa.
Há, no entanto, uma discussão sobre a possibilidade de inclusão desses dois novos tributos na base do ICMS estadual e do ISS municipal no período de transição, de 2027 a 2032. O texto original da reforma vedava tal artifício, mas o trecho que tratava do tema foi excluído da proposta na reta final das discussões, por pressão de governadores e prefeitos, deixando a questão em aberto.
O CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) é uma das entidades que defendem a aprovação no Congresso de um projeto para deixar clara essa não-incidência. Há pelo menos dois caminhos para isso: votação do PLP 16/2025, do Partido Novo, ou de emenda ao segundo projeto de regulamentação da reforma (PLP 108/2024).
Em nota técnica, a entidade que foi o berço da reforma aprovada em 2023 avalia que, mesmo sem essa aprovação, tal cobrança seria inconstitucional.
Sem autorização expressa no texto constitucional, seria "juridicamente impossível" a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS/ISS, diz o ex-ministro Nelson Machado, diretor do CCiF. Ele destaca que o documento não é uma sugestão de aprimoramento da reforma, mas uma espécie de parecer jurídico em relação aos textos já aprovados.
O também diretor do CCiF Eurico de Santi afirma que a cobrança de imposto sobre os novos tributos também contraria os princípios constitucionais da reforma de simplicidade, transparência, neutralidade e não-cumulatividade plena. "O fato de que atualmente a contribuição ao PIS e à Cofins compõem a base de cálculo do ICMS tão apenas tem fundamento no sistema anterior à Emenda Constitucional [da reforma]", diz a entidade.
FolhaJus
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A substituição do PIS/Cofins pela CBS em 2027 trará uma perda de arrecadação aos estados, afirma De Santi, problema que deve ser resolvido por meio do aumento nas alíquotas dos tributos antigos, com objetivo de manter (e não para elevar) as receitas com o ICMS. Com isso, preserva-se os princípios da simplificação e transparência do novo sistema. Manter a tributação em cascata, por outro lado, tornaria mais difícil a apuração do valor devido e permitiria esconder do consumidor qual a real carga sobre os bens e serviços.
Os prejuízos de tal debate para governo e contribuintes são relevantes. O STF (Supremo Tribunal Federal) já considerou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, gerando uma perda superior a R$ 300 bilhões para o governo federal que até hoje gera impactos na arrecadação por meio da compensação de tributos.
A discussão sobre exclusão do ISS e do próprio PIS/Cofins (!) da base de cálculo dessa contribuição federal representa atualmente um contencioso estimado em R$ 100 bilhões pelo governo.
Nesses casos, é sempre oportuno lembrar da frase do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, na abertura do julgamento sobre a citada discussão envolvendo o ISS na base do PIS/Cofins, ainda não concluída: "Com a bênção de Deus, a reforma tributária vai acabar com essas discussões se entra ou não entra na base de cálculo do PIS e Cofins, porque ninguém aguenta mais esse debate."