Mudanças climáticas provocadas pela atividade humana triplicaram o número de mortes provocadas pela primeira onda de calor deste ano na Europa. Análise liderada por cientistas do Imperial College e da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres usou índices históricos de mortalidade, estudos epidemiológicos e os recordes de temperatura observados no continente na última semana para alcançar a estimativa.
Segundo o modelo desenvolvido para o estudo rápido, o primeiro dessa natureza para dimensionar os efeitos de uma onda de calor, 2.300 mortes devem ter ocorrido por causa do fenômeno em 12 cidades europeias selecionadas para observação; dessas, 1.500 mortes, ou 65%, são atribuíveis às mudanças climáticas, isto é, teriam sido evitadas se o planeta não estivesse à mercê do aquecimento provocado pela queima de combustíveis fósseis.
A projeção usa como base os cinco dias mais quentes dessas localidades no período de 23 de junho a 2 de julho, quando Portugal e Espanha registraram temperaturas acima de 40°C, a França fechou centenas de escolas e o topo da Torre Eiffel, a Itália sofreu com blecautes e incêndios florestais pipocaram em países como Alemanha, Turquia e Grécia.
Foram usados no estudo dados de Lisboa, Barcelona, Madri, Londres, Paris, Frankfurt, Roma, Milão, Atenas, Budapeste, Zagreb e Sassari, na Sardenha. A escolha foi determinada pela abrangência geográfica, pelo fato de serem locais em que as autoridades emitiram alertas de saúde e também por conveniência.
"Foram escolhidas 12 também porque o estudo tinha que ser rápido", afirma Friederike Otto, professora do Instituto Grantham de Mudanças Climáticas e Meio Ambiente do Imperial College.
Um estudo completo demandaria mais tempo de análise, e a intenção era dar respaldo científico ao debate enquanto as pessoas ainda se sentem afetadas diretamente pelo problema.
"Dois ou três graus às vezes podem soar como pouca coisa, mas é a diferença entre a vida e a morte", diz a climatologista, que também teve o apoio de colegas das Universidades de Berna e Copenhague e do Instituto Real de Meteorologia da Holanda.
Pesquisadores do World Weather Attribution, do qual Otto é cofundadora, estimaram o quanto a onda de calor atual fugiu do padrão natural do continente. Depois, usaram estudos já publicados sobre a relação entre calor e óbitos, independentemente da causa, para estimar duas curvas de mortalidade: uma sob as condições da severa onda de calor e outra, teórica, sem o aquecimento global provocado pela atividade humana.
"Há limitações no estudo, como o fato de termos levado em conta médias anuais de morte, quando sabemos que elas normalmente se elevam durante ondas de calor. Os dados estão portanto subestimados e, mesmo assim, já são alarmantes", diz Garyfallos Konstantinoudis, também professor do Instituto Grantham.
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A pesquisa atual não foi e, pelo curto prazo, nem poderia ter sido revisada por pares, como recomenda a boa prática científica, mas ainda será e a ideia é que, além do debate público, inspire outros cientistas a se debruçar sobre os efeitos da crise climática na saúde pública.
"Ele destaca um fato simples: a única maneira de impedir que as ondas de calor na Europa se tornem ainda mais mortais é parar de queimar combustíveis fósseis", afirma Otto.
"Mudar para energias renováveis, construir cidades que possam resistir ao calor extremo e proteger os mais pobres e vulneráveis é essencial para salvar milhares de vidas todos os anos."
Ondas de calor extremo já não são eventos raros no continente. Boa parte da Europa sofrerá com uma canícula a cada dois ou cinco verões, e o aumento na frequência, a ciência já demonstrou, está relacionado com o aumento das emissões. Lisboa é a única exceção da lista selecionada, já que tem posição privilegiada, junto ao mar, cuja superfície esquenta mais lentamente.
Das outras cidades analisadas, Milão mostrou o maior número absoluto de mortes estimadas, 317, talvez pelos índices de poluição da região; Madri teve a maior proporção, 90%, um possível reflexo de sua situação geográfica e de uma população vulnerável maior, estimam os especialistas. A maioria das mortes, 80%, atinge pessoas com 65 anos ou mais.
O estudo pontua que a implementação de medidas é urgente, dado que as ondas de calor interligam três grandes vulnerabilidades das grandes cidades do continente: envelhecimento da população, mudanças climáticas e urbanismo. A Europa é o continente em que as médias de temperaturas estão aumentando com mais rapidez no planeta.
"As cidades podem se adaptar plantando árvores, reduzindo o espaço destinado aos carros e cuidando dos mais vulneráveis. Mas, em última análise, a melhor maneira de evitar consequências terríveis é reduzir agressivamente as emissões de gases de efeito estufa", resume Pierre Masselot, pesquisador da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, um dos 14 autores do estudo.