Quando o biólogo Adriano Spielmann ainda era um estudante universitário, conheceu a Antártida pelo Programa Antártico Brasileiro. Lá, uma das características que mais chamou sua atenção foi a grande quantidade e a diversidade de liquens, seres vivos que cresciam mesmo em condições de frio extremo.
Ao voltar para casa, quis estudar os liquens do Brasil, presentes em todos os biomas. Hoje, ele é um dos poucos especialistas brasileiros no assunto.
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Mesmo que você não saiba, provavelmente já viu muitos liquens por aí. Eles podem ser manchinhas arredondadas em caules de árvores, rochas e até paredes. Podem ser brancos ou coloridos nas cores vermelha, verde acinzentada, amarela e até fluorescentes, com cores vibrantes visíveis sob luz ultravioleta.
O conceito mais aceito sobre eles é que se trata de uma simbiose entre fungos e algas ou cianobactérias, em que os fungos cultivam as algas para que produzam seu alimento. É essa relação que permite que os liquens vivam tanto em desertos gelados como em ambientes tropicais.
Liquens são pioneiros. Eles costumam ser os primeiros organismos a colonizar ambientes inóspitos, como rochas nuas ou áreas devastadas. Isso porque o fungo, em simbiose com a alga, cria uma espécie de "miniestufa".
"[O fungo] consegue usar a umidade relativa do ar e posicionar a alga no corpo dele de modo a conseguir a luz necessária para fazer fotossíntese. Esse é o aspecto interessante do cultivo", afirma Spielmann.
Com o tempo, eles ajudam a decompor o substrato, abrindo caminho para outras formas de vida, como briófitas e pequenas plantas.
Resistentes e presentes em todos os lugares, sua diversidade ou falta dela em um local pode denunciar a qualidade do ar. Como absorvem diretamente a umidade e nutrientes do ambiente, são usados como bioindicadores: quanto maior a diversidade em um local, melhor é a qualidade ambiental.
Em uma metrópole como São Paulo, com muitos ambientes secos e poluídos, ainda é possível ver liquens, mas só os mais resistentes.
"No Jardim Botânico [de São Paulo], por exemplo, tem aquelas palmeiras enormes. Se você olhar o tronco delas, está cheio de liquens. Mas se olhar mais de perto, vai ver que são uma ou duas espécies só", diz Spielmann. "Se você for para a serra gaúcha, pode encontrar mais de cem espécies crescendo em uma árvore".
No Vale do Ribeira, a Reserva Betary aproveita a umidade e a conservação da mata atlântica remanescente para transformar a diversidade de liquens em atração turística e objeto de educação ambiental.
A reserva tem grandes áreas de árvores e solo cobertos por liquens fluorescentes que, com a ajuda de lanternas ultravioletas, deixam a floresta colorida mesmo durante passeios noturnos.
No Brasil, há uma das maiores diversidades de liquens do mundo, segundo Spielmann. Um levantamento conduzido com apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul registrou mais de 4,8 mil espécies, graças à enorme variedade de biomas. Os liquens podem ser encontrados desde o nível do mar até picos como o das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro, a 2.700 metros de altitude.
Muitas espécies descritas no país, porém, nunca mais foram vistas. A destruição de habitats, as queimadas e as mudanças climáticas ameaçam diretamente esses organismos sensíveis à temperatura e à umidade. O fogo, em especial, pode eliminar completamente as espécies de liquens de uma área —uma questão recorrente no cerrado e no pantanal.
Com poucos liquenólogos atuantes no país e diante das ameaças, Spielmann acredita que, além do apoio de órgãos de pesquisa, a curiosidade popular e a ciência cidadã podem ajudar a revelar muito mais sobre esses organismos ainda pouco valorizados.
Apesar das funções ecológicas e turísticas, Spielmann lembra que os liquens são interessantes por si só. Segundo ele, perguntar para que servem os organismos é como perguntar para que servem os seres humanos, ou para que serve a música. O curioso, diz, é entendê-los em sua biodiversidade.
A reportagem viajou a convite do IPBio.