A revoada a Portugal de parlamentares, autoridades e VIPs do meio jurídico para participar do Fórum Jurídico de Lisboa nestes primeiros dias do mês é mais do que uma oportunidade para aproveitar o verão europeu, comer bem e discutir à distância os dilemas do país. É uma demonstração efusiva do poder político do STF na pessoa de seu decano, Gilmar Mendes. Criado por ele em 2013 para fomentar o debate jurídico das grandes questões do Estado e do Direito contemporâneos, o Gilmarpalooza, como a mídia apropriadamente batizou o evento, cresceu de importância em paralelo à atuação —a uma só vez extensa e sem limites precisos— da Suprema Corte brasileira na vida política do país.
De fato, o protagonismo do STF tem ido muito além do seu papel tradicional de baluarte da Constituição, ao julgar a conformidade da produção legislativa aos princípios da Lei Maior. Com alguma frequência tem atuado como instância de mediação e conciliação.
Veja-se o recente episódio da elevação da alíquota do IOF. Decreto presidencial definiu um percentual de aumento, afinal derrubado na Câmara dos Deputados —o que levou a AGU (Advocacia-Geral da União) a recorrer ao Supremo. Este, em vez de julgar a constitucionalidade do ato legislativo, suspendeu ambas as decisões e convocou para o próximo dia 15 uma audiência de conciliação.
Não é a primeira vez, na vigência da Carta, que STF assume papel moderador e chama ao entendimento entre as partes em disputa. Arbitrou disputas entre Executivo e Legislativo, como no caso do orçamento secreto; em impasses federativos, entre a União e estados ou municípios, por exemplo, durante a epidemia de Covid-19; em disputas entre o Estado, povos indígenas e interesses locais, como na demarcação das terras Raposa-Serra do Sol e, mais recentemente, na conciliação para definir o marco temporal da demarcação de territórios das populações originárias. Com esse objetivo, lançou mão de audiências públicas, grupos de trabalho e diálogos informais com os envolvidos.
O recurso à conciliação não é uma idiossincrasia nacional. Estudos mostram comportamento similar das altas cortes na Índia, Africa do Sul e Colômbia.
No Brasil, as bases institucionais do poder do STF foram definidas na Carta de 1988, mas a expansão do seu protagonismo deveu-se igualmente a circunstâncias políticas. A pandemia e os conflitos gerados pelo golpismo de Bolsonaro abriram uma avenida para o engajamento do Supremo.
Já o seu papel na conciliação de interesses se robusteceu à medida que o Executivo ou o Legislativo foram lhe delegando poder de lidar com questões muito controversas, impasses que não conseguiram resolver, ou cuja solução seria politicamente onerosa.
Brasília Hoje
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De toda forma, há riscos embutidos nessa forma de atuação que ultrapassa as fronteiras clássicas do Judiciário, não raro embaralhando a consagrada separação de poderes.
De um lado, ficaram menos precisos os limites entre o que é ditado pela técnica jurídica e o que resulta das preferências políticas dos togados. De outro, não existem mecanismos de monitoramento. Especialmente, falta o principal instrumento para julgar sua responsabilidade por decisões que venham a tomar: a prerrogativa dos cidadãos de puni-los nas urnas.