O veneno está na dose e o risco também

6 dias atrás 11

Você já tomou algum remédio com receita controlada? A maioria de nós já. E quase todos sabem que aquele mesmo remédio, se tomado em excesso, poderia ser um veneno. Ainda assim, tomamos. Não por sermos ousados ou inconsequentes, mas porque confiamos que a dose prescrita foi estudada e balanceada para fazer bem —não mal. O risco existe, mas está sob controle. E é exatamente assim que deveríamos encarar o risco nos investimentos.

O problema é que muitos ainda confundem risco com incerteza, e é aí que mora o perigo. Risco é aquilo que conhecemos, mesmo que não possamos controlar. É quando conseguimos atribuir probabilidades aos diferentes resultados. Como dizia Frank Knight, economista que cunhou essa distinção há mais de um século: "O risco é mensurável. A incerteza, não". E é essa confusão que faz muita gente tratar uma aposta como se fosse uma decisão embasada.

Imagine um investidor conservador com uma carteira recheada de renda fixa. Aparentemente, tudo tranquilo. Mas será que não há risco? Pode existir dependendo do indexador da renda fixa. Basta lembrar da inflação corroendo o poder de compra ou do emissor de um título privado com dificuldades financeiras. O risco sempre está lá. A questão é a dose.

Do outro lado, o investidor agressivo às vezes se sente invencível. Vê um caso de sucesso, alguém que alocou 100% em ações brasileiras e ganhou muito, e replica a estratégia como se fosse infalível. Mas como alertava Daniel Kahneman, Nobel de Economia: "O sucesso de um plano não valida o processo que o criou". Um único resultado positivo não transforma uma tática frágil em boa estratégia. Lembre-se, sorte não é método.

Risco bem dosado é quando avaliamos o retorno potencial frente à probabilidade de perda. A isso, chamamos prêmio de risco. E só conseguimos fazer essa conta quando o cenário é relativamente conhecido. Já a incerteza nos deixa no escuro. Sabemos que algo pode acontecer, mas não fazemos ideia de como mensurar.

Voltando ao exemplo do remédio controlado: e se não houvesse estudo algum sobre a substância? E se você não soubesse qual dose tomar —apenas que, em algum nível, ela pode ser fatal? Ainda assim você tomaria esse medicamento? Inacreditavelmente, é isso que muitos fazem nos investimentos. Aceitam a incerteza como se fosse apenas mais uma dose de risco. Entram em ativos que não compreendem, em contextos que não conseguem avaliar, e confundem esse salto no escuro com coragem. Mas investir sob incerteza não é assumir risco —é simplesmente especular.

Quando o investidor aposta tudo em um ativo novo porque "está bombando", ele não está correndo risco. Está jogando. E, pior, essa atitude é muitas vezes confundida com ousadia, quando, na verdade, é apenas desconhecimento.

O desafio está em reconhecer a diferença. Investir com risco é usar cenários e probabilidades. Especular na incerteza é dirigir sem farol —e torcer para não sair da estrada. A diferença pode parecer sutil, mas os resultados, no longo prazo, são abismais.

A pergunta certa não é "quero correr risco ou não?", mas sim: qual risco estou disposto a correr, em que dose, e por qual retorno compensador? Saber essa resposta é o que separa o investidor do apostador.

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