Onde a fome se junta à vontade de jantar

3 semanas atrás 12

Começou o mais bonito encontro da conciliação colonial. O "Festival do Arranjinho", nas palavras da mídia portuguesa, apegada à letra e ao antieufemismo.

Onde jabá corporativo e dinheiro público alimentam a corrupção supramagistocrática. Onde a fome por lobby se junta à vontade de jantar. De jantar muitos jantares com empresários, políticos, magistrados e ministros de governo. De entreter conversas anódinas, de risadas amigas e programadas.

Onde presidente da Câmara, o do Senado e o anfitrião devem pedir pacificação: supersalários e subsídios não se discutem; tributação equânime entre ricos e pobres, entre professor de escola pública, policial militar, médico do SUS e CEOs não se discute; cortar recursos da saúde e de políticas de redução da pobreza se discute. Em mais uma vitoriosa conciliação nacional.

Machado de Assis e Lima Barreto não viveram para contar. Mas já conheciam os personagens.

Para o Fórum de Lisboa, além da fome, foram convidadas a cumplicidade e a resignação. Senhoras que não resistem a uma festa indecorosa. Ingenuidade e responsabilidade ficaram de fora. Senhoras inconvenientes, moralistas, mal informadas. De um tempo que já passou.

No programa oficial divulgado, salvo engano da contagem, o primeiro dia tem 165 expositores: 123 homens brancos, 42 mulheres brancas; 1 homem negro, 2 mulheres negras; 154 brasileiros, 10 portugueses, 1 argentino. Nível exagerado de diversidade para discutir o Brasil-Colônia na metrópole. Não deu tempo de contar os dias 2 e 3.

O programa extraoficial, a rolar pelos corredores, salões e coberturas da cidade, não está divulgado. Salvo uma nota jornalística ou fotos inadvertidas em rede social, saberemos pouco.

FolhaJus

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Como disse o ministro anfitrião, o fórum pratica o diálogo do Brasil com o mundo e é muito transparente. Sabemos tudo, menos o programa extraoficial e quem pagou quanto pelo quê. E quanto se gastou em dinheiro público.

E se ficarmos bisbilhotando apenas isso, essas checagens empíricas ainda vão perder o principal. Uma armadilha diversionista. Mesmo que fosse transparente e que cada participante gastasse do próprio bolso, o evento não se descontamina. Nessa aula prática de promiscuidade, promove-se conflito de interesses multinível. E apoteótico.

Não é que o público se corrompe com o privado. Ali já não se sabe quem é quem. Na fusão magistocrática, as distinções desaparecem, as indiscrições se iluminam.

Quando profissões jurídicas se rendem ao lobby rentista e ao familismo, sabem que estão caindo em profunda contradição com os princípios que tentam lhes dar alguma dignidade.

Independência judicial, prerrogativas da advocacia, acesso à Justiça, garantismo, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, não são apenas armas retóricas pairando no ar. Dependem de certas pré-condições que se traduzem em condutas de juízes de um lado e da advocacia de outro.

A decência almejada supõe certo decoro e autorrespeito profissional. O fórum opta pela farsa.

Advocacia que luta contra o lawfare precisa promover independência judicial, não incentivar seu contrário. Na próxima vez que o caldo magistocrático entornar, lembremos desses muitos fóruns da amizade rentável.

Por falar em cumplicidade, observemos quem não foi. Porque todos, pagos ou não, foram convidados.

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