Onde é a árvore mais próxima da sua casa?

3 semanas atrás 13

Em um domingo à tarde, cometi o erro de entrar no WhatsApp do condomínio. Moradores de fora do bairro haviam levado crianças para brincar na praça em frente ao edifício, e o grupo discutia a esse respeito. Alguns esbravejavam: tais crianças, que provavelmente têm outras opções de diversão, assustam e inibem as que moram no bairro. Outros argumentavam o óbvio - que a praça é pública e, portanto, deve ser compartilhada por todos.

Como cientista, trabalho com evidências e, portanto, resolvi espiar pela janela para constatar a gravidade da situação. Assim que bati o olho nos visitantes, percebi do que se tratava: racismo ambiental. A maioria das crianças e pais que buscavam ali uma atividade de lazer eram pretos ou pardos.

Racismo ambiental significa que as disparidades sociais também afetam o acesso ao meio ambiente. Se existe uma árvore na sua rua, sinta-se privilegiado: o último censo do IBGE revelou que um terço dos brasileiros vive em ruas onde não há nenhuma árvore. Ou seja: no país, cerca de 58 milhões de pessoas não têm acesso pleno aos benefícios promovidos pela vegetação urbana.

Esses benefícios, chamados serviços ecossistêmicos, são como presentes que a natureza nos fornece direta ou indiretamente. Quando respiramos, por exemplo, usufruímos do oxigênio produzido pela vegetação. As áreas verdes também sequestram e estocam gases do efeito estufa (GEE), que intensificam as mudanças climáticas globais. Logo, uma população com mais acesso à vegetação tende a respirar um ar de qualidade e, consequentemente, apresenta melhores condições de saúde e bem-estar.

Outros serviços ecossistêmicos fornecidos pela vegetação envolvem a reposição das fontes de água, a provisão de sombras e a produção de alimentos como frutas e verduras. E ainda existem aqueles que contribuem para a saúde mental. A prática de esportes ao ar livre, a realização de um piquenique e atividades de ecoturismo são exemplos de serviços ecossistêmicos culturais, aqueles que são imateriais.

Durante a pandemia de Covid-19, o grupo liderado pela pesquisadora Sarai Pouso, da Universidade do País Basco, demonstrou que pessoas que tiveram acesso a espaços verdes urbanos apresentaram menos sintomas ligados à depressão e ansiedade. Os efeitos positivos se estenderam até para quem não saiu de casa, mas pôde ver uma árvore pela janela.

No entanto, existe uma tendência mundial que correlaciona maior acesso a áreas verdes urbanas a populações com maior poder aquisitivo e maior escolaridade. Populações pretas e pardas, historicamente menos privilegiadas, têm menor acesso a essas áreas, equiparadas a itens de luxo.

Embora todos necessitem dos proveitos gerados pela vegetação, há uma lacuna justamente onde eles são mais necessários. Pessoas com menor acesso a áreas verdes, geralmente a população com renda mais baixa, estão mais expostas a fatores de risco para doenças cardiorrespiratórias. Como muitas dependem do SUS, essa situação contribui para a sobrecarga da rede pública de saúde.

Essa problemática pode se agravar: a ONU projeta que, até 2050, 70% da população mundial viverá em cidades, espaços já afetados por tragédias climáticas, pela especulação imobiliária e pelo consequente afastamento de grupos sub-representados para as periferias.

Em um país marcado por desigualdades históricas, o acesso pleno a áreas verdes ainda é um privilégio reservado a poucos. São necessárias políticas públicas informadas e a colaboração dos diversos setores da sociedade, em especial diante dos cenários de mudanças climáticas, para que os benefícios da natureza não sejam sempre colhidos pelas mesmas pessoas e para que as sementes da justiça ambiental possam, enfim, germinar no concreto.

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Helder Nunes é ecólogo, pesquisador da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e coordenador do projeto "Raízes Urbanas".

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