Origem do conglomerado de mídia, jornal O Globo completa cem anos

11 horas atrás 2

Em meados da década de 1920, a cidade do Rio de Janeiro tinha pouco mais de 1 milhão de habitantes e uma imprensa em expansão, com cerca de 20 jornais.

De modo geral, esses diários se dividiam em dois grupos principais. Havia aqueles que priorizavam a política nacional e as notícias vindas da Europa, como o Correio da Manhã. Eram lidos, sobretudo, pelas elites que viviam nas regiões centrais da então capital do país.

Existia, por outro lado, a imprensa voltada para o proletariado, com algumas publicações de caráter anarquista, como A Voz Operária. Circulavam, sobretudo, nos subúrbios do Rio de Janeiro.

Ao fundar o jornal O Globo em 29 de julho de 1925, Irineu Marinho apostou em um outro público. O novo diário se destinava às famílias de renda média e tinha os acontecimentos da cidade como assunto principal, conforme lembra o jornalista Leonencio Nossa, autor de biografia sobre Roberto Marinho em três volumes –os dois primeiros são "O Poder Está no Ar" e "A Globo na Ditadura" (ed. Nova Fronteira).

Jornalista experiente, que já tinha comandado o diário A Noite, Irineu havia acertado o alvo com a novidade, como ficou claro nos anos seguintes. Mas não pôde acompanhar a ascensão de O Globo porque morreu menos de um mês depois do lançamento do jornal, aos 49 anos.

O jornalista Eurycles de Mattos assumiu a direção do diário e, meses depois, Roberto Marinho –filho mais velho de Irineu e Francisca e até então mais preocupado com as "atrações da vida", como disse– começou a acompanhar o cotidiano da empresa familiar, alternando-se em diversas funções.

Em 1931, com a morte de Eurycles, a condução de O Globo passou para as mãos de Roberto, então com 26 anos. Foi ele o maior responsável por preparar as bases para que a publicação chegasse hoje, dia 29, ao seu centenário.

Entre os mais relevantes jornais do país, O Globo é o terceiro a alcançar os cem anos. O Estado de S. Paulo completou 150, e a Folha, 104.

Ao longo deste período, O Globo deu origem a um conglomerado de mídia, com emissoras de televisão e rádio, produtos digitais, que incluem o streaming, jornais e editora.

A partir de 1931, O Globo sempre foi comandado pela família Marinho. Na maior parte dessas décadas, a palavra final coube a Roberto, que morreu em 2003, aos 98 anos.

Depois por seus três filhos, Roberto Irineu, 77, atualmente vice-presidente do conselho de administração do Grupo Globo; João Roberto, 71, presidente do conglomerado; e José Roberto, 69, vice-presidente do conselho de administração do grupo. Nos últimos anos, os netos de Roberto Marinho também têm assumido cargos de direção na empresa.

Para João Roberto, uma característica essencial para que O Globo pudesse alcançar o centenário foi "a capacidade de se adaptar sem abrir mão dos seus valores de independência, profissionalismo e inovação".

O jornal "sempre soube ler os sinais do tempo —tecnológicos, sociais, culturais— e se reinventar para continuar relevante, mantendo a busca por informação de qualidade para honrar o compromisso com o leitor estabelecido por Irineu Marinho em 29 de julho de 1925", diz o presidente do Grupo Globo.

De acordo com Alan Gripp, diretor de Redação, o jornal tem sido bem-sucedido ao enfrentar adversidades, o que explica, entre outros fatores, a longevidade da publicação. "Tivemos recentemente uma virada digital, que fez com que O Globo deixasse de ser aquele jornal que sobrevivia da publicidade tradicional e passasse a batalhar pela sobrevivência por meio das assinaturas digitais ou da audiência digital", afirma.

"O jornal chega hoje a muito mais gente do que no auge da sua vida impressa, é o nosso maior momento em termos de alcance [de leitores]", diz Gripp. O Globo, segundo ele, tem por mês em torno de 200 milhões de páginas vistas e mais de 50 milhões de usuários únicos.

C-Level

Uma newsletter com informações exclusivas para quem precisa tomar decisões

Para Leonencio Nossa, a preservação de uma linha editorial e de um tipo de leitor –"o brasileiro médio", segundo ele– também contribuiu para a vida longa do jornal.

O biógrafo ressalta ainda a capacidade de Roberto Marinho de atrair talentos, independentemente de suas visões políticas. Dá como exemplo o jornalista Paulo Francis, que criticava duramente o empresário no Pasquim e posteriormente foi contratado como comentarista da TV Globo.

Francis chegou ao grupo em 1981, fase final da ditadura militar. Nossa lembra que O Globo apoiou o golpe de 1964, assim como a grande maioria dos jornais, inclusive a Folha. "O governo João Goulart caiu, e Roberto Marinho aderiu imediatamente à ditadura."

A relação entre o diário e o governo militar começou a enfrentar o que o biógrafo chama de "curtos-circuitos" com a instalação do AI-5, o Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968. O mais radical decreto do regime abriu caminho para o recrudescimento da repressão, com mortes e desaparecimentos de militantes da esquerda armada, além de suspensão de direitos políticos.

Ao longo dos anos 1970, segundo o autor, o jornal cultivou uma linha moderada, favorável à abertura política. "Muitos veem O Globo como um corpo da ditadura, o que acho um absurdo. O maior problema desse tipo de avaliação é que encobre uma geração de resistência dentro do jornal", afirma. Cita jornalistas que produziram ou editaram reportagens críticas ao regime, como Milton Coelho da Graça, Paulo Totti, José Augusto Ribeiro, Marcelo Pontes e Marcelo Beraba, que morreu nesta segunda (28).

Para Gripp, "estamos à beira da que é talvez a maior disrupção que o jornalismo e o mundo, de uma maneira geral, vão enfrentar, com a inteligência artificial. A tendência é que nós e os demais jornais brasileiros soframos um baque forte com o fim da audiência vinda de buscas, especialmente do Google".

Ainda segundo o diretor de Redação de O Globo, "nosso maior desafio é tentar estabelecer uma audiência direta com os assinantes".

Algumas novidades dos 100 anos do jornal O Globo

  • série documental "O Século do Globo", criada por Pedro Bial, no Globoplay
  • exposição "Um Século de Histórias" na Casa Roberto Marinho, no Rio de Janeiro
  • livro "Um Século em Cem Crônicas - Cronistas que Fizeram História no Globo", organizado por Maria Amélia Mello
Read Entire Article