Plantas exóticas se espalham nas margens do rio Taquari, no Rio Grande do Sul, pouco mais de um ano após o desastre com as chuvas de maio de 2024. A presença das espécies gera a falsa impressão de recuperação da mata ciliar, aumenta os custos para recompor a vegetação nativa e reduz a biodiversidade dos ecossistemas.
Com grande capacidade de reprodução, plantas como o capim-annoni e a uva-japonesa, originárias da África e da Ásia, têm comportamento invasor e crescem em poucos meses nas áreas degradadas. Elas se beneficiam das mudanças climáticas, porque toleram grandes variações de temperatura, e são resistentes a condições ambientais que outras espécies não suportariam.
"Quem vê a margem tomada por vegetação pensa que está tudo recuperado e que a mata ciliar voltou. Mas as plantas exóticas invasoras não cumprem a função da verdadeira mata ciliar, que é proteger o solo", diz Elisete Freitas, doutora em botânica pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e professora na Universidade do Vale do Taquari.
As espécies invasoras não têm raízes profundas e firmes o suficiente para estabilizar a terra, ao contrário das nativas, capazes de exercer esse papel. Ou seja, as margens do rio estariam desprotegidas caso novas inundações ocorram no estado.
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"Qualquer chuva forte arranca as plantas invasoras, derruba tudo. As espécies de matas ciliares têm flexibilidade, com muitos troncos que ajudam a barrar a força da água, enquanto as exóticas são pequenas e finas", explica Freitas.
De acordo com a pesquisadora, as cheias registradas na última semana não causaram danos nas margens do rio Taquari nas cidades de Lajeado e Estrela, onde foi detectada a presença das plantas invasoras.
A dispersão das exóticas é tão eficiente que elas competem com a vegetação nativa e reduzem a biodiversidade. Segundo Freitas, as plantas invasoras podem causar a chamada homogeneização dos ecossistemas, ocupando todo o espaço disponível.
"As espécies exóticas invasoras podem produzir compostos químicos com potencial de inibir o crescimento e a germinação de outras plantas. Nas margens tomadas pela uva-japonesa, o solo embaixo delas é completamente limpo, não tem nenhuma outra planta", exemplifica.
O desastre de 2024 é um dos fatores por trás do alastramento das plantas invasoras na beira do Taquari. Com a inundação, a vegetação nativa foi danificada e o solo ficou exposto. As exóticas se multiplicaram e dominaram as áreas degradadas antes que a mata original pudesse crescer de novo.
Um levantamento anterior às enchentes do ano passado identificou 18 espécies de plantas invasoras nas margens do rio Taquari, como a amora-preta, o capim-elefante, o capim-estrela, a mamona e as braquiárias. "Antes, as exóticas estavam em alguns pontos. Hoje, elas estão em quase tudo, porque não foi dada a atenção para recuperar as matas ciliares", afirma Freitas.
Para Gerhard Overbeck, professor de botânica na UFRGS, a proliferação de plantas exóticas invasoras está ligada à baixa valorização da flora nativa e à degradação ambiental.
"Podemos esperar um aumento das invasões biológicas no sul do Brasil, não só devido às mudanças de clima e do uso da terra, mas também em função da falta de políticas efetivas de conservação e restauração na região", afirma o pesquisador.
Animais também contribuem para espalhar as espécies exóticas. O graxaim-do-mato, mamífero que vive no pampa, passou a se alimentar do fruto da uva-japonesa. Biólogos identificaram fezes do animal com sementes da planta invasora nas margens do Taquari.
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do governo do Rio Grande do Sul diz que atua na prevenção e no monitoramento de plantas invasoras por meio do Programa Estadual de Controle de Espécies Exóticas, composto por analistas ambientais da pasta e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental.
A secretaria também diz ter realizado o lançamento de mais de 5 milhões de sementes de espécies nativas a partir de aeronaves em áreas onde ocorreram movimentos de massa no vale do Taquari. A ação foi realizada em parceria com o Exército e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
A pesquisadora Elisete Freitas estima o valor de R$ 1,5 milhão para recuperar um quilômetro de uma margem de um rio como o Taquari. A cifra inclui a preparação do terreno, o transporte de rochas, a instalação de estruturas de engenharia natural, a compra de mudas e o monitoramento após a intervenção.
"No momento em que as margens estão tomadas por plantas invasoras, principalmente as gramíneas, o custo para recuperar a mata ciliar e controlar as espécies exóticas é altíssimo", diz ela.