Quando os polvos estendem seus oito braços em cantos e fendas escondidos em busca de uma refeição, eles não estão apenas tateando no escuro por comida. Eles estão provando suas presas, e com ainda mais sofisticação sensorial do que os cientistas já haviam imaginado.
Pesquisadores relataram no último dia 17 na revista Cell que os braços dos polvos são ajustados para espionar o mundo microbiano, detectando microbiomas nas superfícies ao seu redor e extraindo informações deles, segundo a bióloga molecular Rebecka Sepela, Universidade Harvard, autora do novo estudo.
Onde os olhos dos polvos não conseguem ver, seus braços podem ir para identificar presas e dar sentido ao ambiente ao redor. Os cientistas sabiam que esses oito braços (não tentáculos) percebem, por exemplo, se seus ovos estão saudáveis. E as centenas de ventosas em cada braço têm mais de 10 mil receptores sensoriais quimiotáteis cada, trabalhando com 500 milhões de neurônios para captar essas informações e transmiti-las por todo o sistema nervoso.
No entanto, o que exatamente o polvo está provando ao explorar e apalpar —e como seus braços conseguem distinguir, por exemplo, uma pedra de um ovo, um ovo saudável em sua ninhada de um doente, ou um caranguejo seguro para comer de um em decomposição e tóxico— tem intrigado cientistas por muito tempo.
O que eles estão percebendo nas superfícies?
Para Sepela, essa questão se intensificou quando sua equipe descobriu 26 receptores ao longo dos braços dos polvos que não tinham função conhecida. Ela supôs que esses receptores estavam sintonizados apenas com moléculas encontradas em superfícies, em vez daquelas difundidas na água.
Então, a bióloga e seus colegas coletaram amostras de moléculas que revestem caranguejos saudáveis e doentes, além de ovos de polvos. A equipe cultivou os micróbios dessas superfícies no laboratório e, em seguida, testou 300 cepas microbianas, uma por uma, em 2 daqueles 26 receptores.
Durante a triagem, só micróbios específicos conseguiam abrir os receptores. Esses micróbios eram mais abundantes nos caranguejos em decomposição e nos ovos moribundos do que em seus equivalentes saudáveis.
Não é a superfície em si, mas o microbioma da superfície que influencia o comportamento do polvo, segundo Nicholas Bellono, que lidera o laboratório de Harvard onde Sepela trabalha.
Os micróbios estão constantemente coletando informações sobre a superfície em que estão e respondendo ao liberar substâncias químicas no ambiente ao redor. Essas emissões são o que o polvo está provando.
Isso é semelhante ao que acontece quando você prova leite estragado: o gosto azedo vem dos micróbios que o estão decompondo. Mas também é análogo a como os micróbios dentro de nossos corpos, especialmente em nossos intestinos, informam nossos vários sistemas de órgãos sobre diferentes coisas, como infecções ou até mesmo estímulos positivos, como alimentos.
Esse método, até agora, parece ajudar os polvos a detectar o que eles não gostam: os micróbios específicos são sinais aversivos. "Basicamente, se eles não o detectam, então é bom para comer", afirmou Marcus Stensmyr, que estuda biologia sensorial na Universidade de Lund (Suécia) e não esteve envolvido no estudo. Isso é incomum em comparação com, por exemplo, os insetos, que tendem a detectar principalmente produtos químicos pelos quais são atraídos.
A capacidade de detecção microbiana levanta tantas questões, de acordo com Stensmyr. Ele acrescentou que os resultados até agora provavelmente não são o quadro completo.
A capacidade refinada de processar informações químicas de micróbios também poderia desempenhar um papel em como os polvos interagem entre si e acasalam, segundo Chelsea Bennice, pesquisadora do Laboratório de Ciências Marinhas da Universidade Atlântica da Flórida, que estuda o microbioma na pele dos polvos e não esteve envolvida no estudo.
Ainda de acordo com Bennice, compreender esses sinais microbianos também poderia desempenhar um papel na ajuda aos polvos para evitar doenças, um perigo que se prevê aumentar nos próximos anos devido ao aquecimento dos oceanos.
E as implicações vão além dos polvos. Embora o estudo tenha investigado um pequeno conjunto de micróbios, as descobertas parecem dizer algo sobre como os animais, em geral, usam micróbios para interagir com o mundo ao seu redor.
Toda a evolução animal se desenrolou em uníssono com a dos micróbios e bactérias, então os micróbios provavelmente definiram as regras da biologia mais do que lhes damos crédito, disse Bellono. Eles governam o mundo, e a ciência ainda está longe de compreender completamente como eles afetam as vidas das criaturas mais complexas ao seu redor.
Esses resultados podem sugerir que espionar os micróbios "é provavelmente uma linguagem universal entre diferentes reinos da vida", afirmou Bellono.