A população afrodescendente foi mencionada pela primeira vez em um rascunho de texto da convenção do clima das Nações Unidas. As Reuniões Climáticas de Junho em Bonn, na Alemanha, que terminaram nesta quinta-feira (26) e são consideradas um termômetro para a COP30 (conferência do clima a ser realizada em Belém), reconheceram o grupo em 2 dos 3 documentos apresentados.
Planeta em Transe
Uma newsletter com o que você precisa saber sobre mudanças climáticas
Os países concordaram em incluir pessoas de descendência africana ("people of African descent", no original, em inglês) no texto sobre transição justa. Além dos afrodescendentes, o documento cita a importância da participação de outros grupos vulneráveis, como migrantes, povos indígenas e trabalhadores informais, "para possibilitar caminhos eficazes, inclusivos e participativos para a transição justa".
O plano de trabalho de gênero, que tem a intenção de distribuir a temática em todos os documentos da negociação final, menciona a população negra em quatro ocasiões. A versão final dos textos será decidida apenas na cúpula na amazônia, em novembro, mas a sociedade civil celebrou os avanços.
"No sistema da convenção do clima da ONU, nunca existiu um documento com menção a afrodescendentes", afirma Mariana Belmont, assessora de clima e racismo ambiental do Geledés - Instituto da Mulher Negra, que fez o levantamento sobre a citação ao grupo nos arquivos.
"É um espaço da ONU com um olhar muito mais técnico e menos de direitos humanos, apesar disso ter avançado a passos lentos nos últimos anos", diz.
A população afrodescendente é considerada uma das mais afetadas pelos eventos extremos, apesar de ter contribuído pouco para as mudanças climáticas.
A diplomata brasileira Liliam Chagas, que participou das negociações em Bonn, ressaltou o ineditismo da menção. "Houve uma demanda muito clara, vinda de várias instituições brasileiras, incluindo o Ministério da Igualdade Racial, para que essas populações tivessem suas vulnerabilidades reconhecidas. E isso foi alcançado pela primeira vez", disse à imprensa após o fim da conferência.
Segundo Belmont, havia a perspectiva de incluir indicadores raciais e a menção a afrodescendentes no rascunho do terceiro texto da cúpula, sobre adaptação, mas os países não chegaram a um consenso.
"Em Bonn, quem mais vocalizou na sala de negociação para incluir a menção a afrodescendentes foi o Brasil", afirma. Outros países da América Latina e do Caribe, como Colômbia, Uruguai e Panamá, apoiaram a medida, de acordo com Belmont.
A COP16 da biodiversidade, conferência da ONU ocorrida em 2024 em Cáli, na Colômbia, também foi pioneira ao citar o grupo no texto final da negociação.
Na análise de Belmont, os países europeus são os principais entraves à inclusão dos afrodescendentes nos textos.
"A União Europeia não vocaliza publicamente ser contra a questão racial, mas articula nos bastidores para derrubar essa agenda. Vimos isso acontecer na COP da biodiversidade e, em Bonn, soubemos que tentaram barrar a citação no rascunho do texto de gênero, mas, no fim, com a pressão da sociedade civil e presença nas negociações, o texto passou com as menções", afirma.
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.