No dia 1º de julho, o presidente Lula (PT) divulgou o Projeto de Lei nº 3220/2025, que institui 2 de julho como "Dia Nacional da Consolidação da Independência do Brasil". A imprensa brasileira reverberou com alguma timidez o fato. No entanto, do outro lado do Atlântico, a iniciativa gerou um grande incômodo.
Em um debate promovido pela CNN Portugal, no quadro Arena CNN exibido no dia 2, alguns debatedores, além do apresentador, defenderam a hipótese de o projeto ser populista, insinuaram desespero político e até levantarem dúvidas sobre as plenas faculdades mentais do presidente brasileiro. Argumentaram que o projeto geraria fraturas não só no Brasil, mas, fundamentalmente, entre Brasil e Portugal.
As críticas são inconsistentes em três aspectos: na análise do momento político do Brasil, na compreensão do processo de construção de um projeto de lei e acerca dos movimentos historiográficos mais recentes sobre o tema. No primeiro caso, atribuir ao projeto a condição de angariar votos ou mesmo de reverter uma suposta rejeição eleitoral carece de respaldo. Do mesmo modo, implicar o projeto exclusivamente a um ato de vontade do presidente desconsidera, entre outras coisas, as justificativas do Ministério da Cultura, além do posterior debate nas casas legislativas.
Por fim, há a suposição de que reconhecer o dia 2 de julho de 1823 como o Dia da Consolidação da Independência seria reescrever a história, falseando-a. Ora, mas é justamente o resultado das abordagens historiográficas geradas por novas pesquisas desde o início do século o que sustenta a pertinência do projeto. De lá para cá, historiadores e historiadoras de universidades de todo o país têm demonstrado que a Independência do Brasil foi um processo bastante mais complexo do que o mito do 7 de Setembro é capaz de revelar.
Ao contrário, a síntese representada pelo Grito do Ipiranga acaba por abafar os acontecimentos —decisivos para a ruptura com Portugal— nas províncias e a participação e protagonismo de mulheres, indígenas, negros e negras, pobres livres em geral.
A Independência não foi um processo pacífico. Na Bahia, uma guerra que durou pouco mais de um ano mobilizou toda a província. Enquanto militares portugueses ocupavam a capital, os baianos descontentes fizeram da vila de Cachoeira uma capital rebelde, arregimentando tropas e cercando Salvador. Enviado por d. Pedro, o general francês Pierre Labatut recrutou soldados de Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, dentre outras regiões. A partir daquele momento, a guerra era uma guerra brasileira, como nos ensinou o historiador Luis Henrique Dias Tavares.
Depois de longo cerco, no 2 de julho de 1823, o Exército português se retirou da Bahia, numa grande operação: cerca de cem embarcações levaram perto de 10 mil pessoas, entre militares e civis, em direção a Lisboa, comparável à comitiva de d. João, anos antes. A derrota do maior contingente militar português na América inviabilizava qualquer plano de controle de alguma região do Brasil.
As tropas brasileiras eram formadas majoritariamente por pessoas comuns, sem experiência de quartel ou de batalha, incluindo pescadores, marisqueiras e vaqueiros. Assim, a festa do Dois de Julho também celebra essa independência popular, cujo símbolo são as figuras dos caboclos e caboclas que desfilam pelas ruas de Salvador, Itaparica, Cachoeira, São Félix e tantas outras cidades.
O reconhecimento do dia 2 de julho como Dia da Consolidação da Independência é, portanto, um acerto de contas do Brasil consigo mesmo. Parte da intelectualidade portuguesa precisa fazer o mesmo, olhando para a própria história. Talvez seja esse um tema sensível, considerando que, em 2025, antigas colônias como Cabo Verde, Angola e Moçambique comemoram 50 anos de suas independências, conseguidas através de guerras significativas. Do lado de cá do Atlântico, 200 anos depois, não nos é mais possível desconsiderar que a nossa Independência também foi conseguida a ferro e fogo.