Veio a tornozeleira. A prisão preventiva ficou para depois, mas as práticas de coação e obstrução bolsonaristas continuam.
A semana que passou teve não só eventos de grande importância jurídica e política. Houve episódios de valor didático não ordinários. Daquelas semanas que contam para o resto de nossa vida democrática.
Alexandre de Moraes, em medida cautelar, detalhou a atuação da família Bolsonaro na barganha da anistia e ordenou adoção de tornozeleira e medidas restritivas sobre Jair. Deputados aliados o receberam no Congresso, ouviram lamentos, gritaram por anistia, pressionaram por interromper o recesso e encaminhar votação.
Eduardo Bolsonaro, cuja conspiração se financia por dinheiro da Câmara e do pai, tenta saídas para não perder o mandato, ou, na pior hipótese, não se tornar inelegível. Os mesmos deputados buscam mudar regimento para lhe permitir morar no exterior com salário. Até governadores de SP, SC e MG têm sido sondados para empregar Eduardo no governo estadual, como representante internacional.
Ficou mais claro que a sanção tarifária imposta por Trump ao Brasil tem mais a ver com interesses do poder corporativo americano do que com Bolsonaro. O Pix, a forma como o Brasil teria inventado o "futuro do dinheiro", segundo Paul Krugman, e os riscos de restrições a redes sociais incomodam os grandes de tecnologia e finanças.
Invocando Bolsonaro, Trump suspendeu visto de oito ministros do STF e familiares. Foram poupados Luiz Fux, André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Circularam notícias sobre ataques tecnológicos que o Brasil poderia sofrer, dada a dependência do país em relação às mesmas empresas estrangeiras.
Fux divergiu do colegiado do STF e votou contra a medida cautelar alegando falta de provas e liberdade de expressão. Surpreendeu menos pelo teor do argumento jurídico do que por vir de quem veio. Alguns leram a conversão de um lavajatista num garantista como mudança hermenêutica. Outros enxergam razões menos confessáveis.
O deputado Henrique Vieira propôs projeto de lei para acrescentar nos "crimes contra a soberania", o ato de "negociar ou articular com governo ou grupo estrangeiro medidas que causem relevante dano ou coloquem em grave risco a economia, a infraestrutura tecnológica ou a prestação de serviços digitais do país, com o fim de interferir nos processos decisórios dos Poderes constituídos". A intenção é dar efeito penal mais claro ao projeto de Eduardo nos EUA.
Stephen Levitsky, cientista político de Harvard, declarou em entrevista: "As instituições democráticas do Brasil parecem ter respondido de forma muito mais saudável do que as dos Estados Unidos. Hoje as instituições brasileiras estão funcionando melhor. Você pode concordar com isso ou não, mas é o processo democrático do Brasil funcionando". O STF de imediato postou em seu site.
Há muitas maneiras de se interpretar essa desconcertante miscelânea de fatos. Os conceitos de soberania nacional e soberania popular, junto com os conceitos de supremacia da Constituição e supremacia judicial, têm sido distorcidos, usurpados e instrumentalizados numa esfera pública desorientada. Têm confundido mais que esclarecido.
Superestimados na sua abrangência e subestimados na sua importância, precisamos desses conceitos para avaliar o que acontece. A próxima coluna tenta apontar um caminho.