A carta que anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os EUA menciona a Seção 301 da Lei de Comércio Exterior. Esse dispositivo é um velho conhecido do Brasil. Já foi usado para pressionar o país com relação a diversas questões comerciais, parte delas com sucesso. É perturbador que esteja sendo usado agora para pressão política.
O dispositivo dá poderes ao Escritório de Comércio para impor sanções unilaterais (como tarifas) contra os países. O Brasil foi pressionado com esse instrumento nos anos 1990 porque não reconhecia patentes de medicamentos. Sob pressão, o país reagiu em pânico. Aprovou a lei de propriedade intelectual de 1996 e reconheceu as patentes para medicamentos, o que é positivo. Só que no afã de agradar aos EUA, abdicou de todas as flexibilidades que o Brasil poderia exercer sob a OMC para fabricar medicamentos genéricos.
O resultado foi desastroso. A Índia, por exemplo, não abriu mão do direito de fabricar genéricos e construiu a maior indústria do mundo nessa área. Vende hoje 47% dos genéricos consumidos nos EUA. Já o Brasil ficou para trás e levou anos para começar a se recuperar.
Por falar em Índia, por que os EUA se sentiram tão à vontade para tarifar de forma agressiva o Brasil, um país com o qual têm superávit comercial? Talvez justamente por conta da nossa estagnação econômica, inclusive dentro do bloco dos BRICs. Em 2010, ano seguinte à criação dos BRICs, o PIB do Brasil era de US$ 2,2 trilhões. O da China era US$ 6 trilhões, a Índia US$ 1,6 tri, a Rússia era US$ 1,5. A África do Sul não fazia parte do bloco criado pelo economista Jim O’Neill. Foi colocada só depois.
A aposta do economista era que esses países cresceriam enormemente e se tornariam centrais. Ele acertou na mosca. Exceto com relação ao Brasil. Quinze anos depois da criação dos BRICs, o PIB da China é hoje de US$ 19 trilhões. O da Índia é US$ 4,2 tri e a Rússia de US$ 2 tri. O do Brasil diminuiu para US$ 2,17 trilhões.
Essa é uma posição de enorme fragilidade. A economia do país falhou em se diversificar e aumentar sua complexidade, dependendo hoje da extração direta da natureza. Com a exceção louvável da Embraer, vendemos para os EUA (e para boa parte do mundo) café, ferro-gusa, suco de laranja, petróleo bruto e açúcar. Itens que o Brasil não tem impacto significativo na formação do preço e que sofrem com o avanço de novos concorrentes (por exemplo, o café do Vietnã).
Folha Mercado
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Por isso é estarrecedor que nossa reação às tarifas impostas ao Brasil tenha sido de ficar procurando quem é o culpado. Que vergonha. Em vez de perguntar "de quem é a culpa?" o país deveria perguntar "O que fazer?". E há muito por fazer.
Vou dar dois exemplos. Desenvolver com urgência a produção e beneficiamento de terras raras, recurso estratégico global. Foi a dominância em terras raras que permitiu à China negociar com os EUA a reversão de tarifas. O Brasil também tem terras raras essenciais. Só não tem rumo.
Segundo, acordar para a gigantesca dependência digital do país com relação aos EUA. Hoje 60% da carga digital brasileira está hospedada em datacenters no estado da Virgínia nos EUA. Isso inclui sites, aplicativos, comércio eletrônico, operações bancárias, Pix e até serviços públicos como o SUS. O país precisa cair em si sobre a importância de ter sua própria infraestrutura digital.
Enquanto continuarmos estagnados brigando entre nós para achar culpados em vez de agir com sabedoria e velocidade, seremos cada vez mais mariola de outros países.