Tarifas são sobre Bolsonaro, mas governo não deve ceder integridade institucional, diz ex-embaixador

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O ex-embaixador dos EUA no Brasil Thomas Shannon afirmou à Folha que o presidente americano Donald Trump deixou clara a motivação da ameaça de tarifas de 50% contra o Brasil: interferir no processo contra Jair Bolsonaro.

Segundo o diplomata, referência em temas da América Latina, porém, o governo Lula (PT) não deve ceder e precisará buscar um tema de interesse dos EUA na área comercial para tentar negociar. "O governo não vai conseguir negociar sua integridade institucional", afirma.

Para ele, a medida é resultado do lobby de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e pode levar o Brasil a um "momento Mark Carney", referência ao premiê canadense que se beneficiou politicamente de ameaças similares.

Shannon também avalia que importadores americanos devem pressionar Trump a recuar, por causa do impacto econômico e possível judicialização. Os EUA são grandes compradores de café e suco de laranja do Brasil.

Por fim, ele aponta que o episódio pode aproximar o Brasil de parceiros como China e União Europeia.

Algumas pessoas ainda se perguntam se as tarifas de 50% são sobre Bolsonaro ou se o presidente Donald Trump usa esse argumento para tentar vantagens comerciais. Qual a sua avaliação?

Elas são sobre Bolsonaro. Trump já falou sobre as tarifas em relação ao aço e alumínio e também de maneira geral, dependendo se um país tem superávit ou déficit comercial. Ainda falou sobre tarifas em relação aos Brics. Isso foi amplamente por tarifas. Mas os 50% que ele ameaça tanto em seu tweet quanto em sua carta estão explicitamente ligados à situação enfrentada por Jair Bolsonaro, enquanto ele é processado e levado a julgamento e impedido de concorrer. Isso é claramente uma ligação com Bolsonaro e um esforço do presidente para influenciar as ações internas das instituições brasileiras. Em outras palavras, quer que a acusação seja interrompida e que Bolsonaro tenha permissão para concorrer nas eleições de 2026.

Com uma mistura dos dois assuntos, tarifas e política, como conduzir uma negociação como esta?

É uma ótima pergunta. O governo brasileiro não vai conseguir negociar sua integridade institucional. O Poder Executivo não vai conseguir dizer como o Poder Judiciário deve funcionar. Há muito pouco que os brasileiros podem oferecer em relação não apenas à decisão de processar o ex-presidente Bolsonaro, mas também à decisão de impedi-lo de concorrer na eleição.

Se o governo do Brasil abordar os EUA em uma negociação, teriam que procurar alguma outra questão provavelmente relacionada ao comércio que possam querer abordar. Mas minha visão é que o presidente Trump deixou muito claro o que ele quer [liberar Bolsonaro] e é nisso que ele vai permanecer focado.

Tarifaço

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Vê essa pressão funcionando no Brasil?

Não. O Brasil é famoso por sua independência quando se trata de seus próprios processos democráticos, e da institucionalidade do Estado. Não permitirá que uma potência estrangeira interfira no Brasil e tente ditar o resultado de um processo judicial ou o resultado de um processo eleitoral. Não vejo o governo Lula cedendo terreno algum nessa área.

A única coisa positiva sobre isso é que houve muito pouco engajamento entre o governo Trump e o governo Lula. Isso pode ser uma maneira de iniciar algum tipo de comunicação mais ampla. Veremos.

Esse problema de comunicação ocorreu por erro do governo Lula ao procurá-los?

Acho que o governo brasileiro tentou de maneira muito ativa abrir canais de comunicação logo no início do governo Trump, mas há poucas pessoas com quem você pode se comunicar nesse governo, e todos estavam ocupados fazendo outras coisas.

Há alguma lógica nessa porcentagem de 50%?

Uma justificativa comercial por trás disso? Não, este é um número que foi projetado para chocar.

Trump tem emitido ameaças de tarifas contra muitos países com a esperança de fazer com que esses países lhe deem o que ele quer. O que é diferente sobre esta ameaça? Esta é a primeira vez que ele usou uma ameaça de tarifa para perseguir um objetivo político e para inserir os EUA diretamente nas instituições e processos políticos de outro país.

Qual deve ser o impacto das tarifas para o Brasil?

Na minha visão, o Brasil bem poderia estar caminhando para o que eu chamaria de momento Mark Carney [primeiro-ministro do Canadá]. Foi a ameaça de tarifas contra o Canadá, de anexar o país, que derrubou a candidatura do candidato conservador nas eleições parlamentares e permitiu que o Partido Liberal e agora o primeiro-ministro Carney ganhassem a eleição.

O Brasil está se encaminhando para uma eleição em 2026 em que o resultado não é certo e onde até mesmo os candidatos são incertos. As tarifas podem mudar tudo, dependendo de como forem tratadas no Brasil e nos EUA. De muitas maneiras, o que o presidente Trump fez foi dar um grande presente ao presidente Lula.

O que Trump ganha com isso?

Não está claro que ele ganhe algo agora, e acho que não vai ganhar. Tudo o que ele está fazendo é dar àquelas pessoas no Brasil que tiveram dúvidas sobre construir um relacionamento próximo com os EUA, dúvidas sobre a confiabilidade como parceiro, mais evidências de que isso é verdade e que o Brasil precisa se concentrar em outros parceiros, seja a China, seja a União Europeia, seja quem for. E que, até você conseguir um parceiro mais estável e confiável, você tem que abordar os EUA com grande cautela.

Qual é o impacto disso aqui dentro dos EUA?

Vai ter impacto em algumas indústrias importantes e não acho que elas vão ficar quietas. Meu palpite é que eles vão tentar convencê-lo a recuar. Serão cautelosas, mas deixarão claro que isso terá impacto.

Há um processo aqui nos EUA que questiona a legalidade das tarifas de Trump. O caso do Brasil pode ser usado neste processo?

Não acho que haja uma justificativa legal para o que ele fez. Se você olhar para as autoridades que o presidente tem para impor tarifas, sejam elas as autoridades de emergência, sejam as relacionadas ao comércio, autoridades antidumping, nada disso se encaixa. Então, provavelmente será questionada [a legalidade], mas alguém tem que questionar.

O que ouvimos é que o USTR, que negocia as tarifas, ficou surpreso com o anúncio.

Tenho certeza que ficaram, que não foram envolvidos. Foi uma decisão política do presidente. E é obviamente produto do lobby da família Bolsonaro através de seus contatos tanto dentro da família Trump quanto dentro do mundo MAGA.

Isso torna as coisas mais difíceis, a falta de certeza da autoridade dos negociadores?

A conversa tem que começar em algum lugar, e o presidente Lula e o presidente Trump já estão se comunicando publicamente através do X, e de suas cartas muito públicas. Duvido que eles vão se envolver diretamente um com o outro a menos que haja uma solução à mão.


RAIO-X | Thomas Shannon, 67

É analista político internacional. Embaixador dos EUA no Brasil entre 2009 e 2013, foi subsecretário para Assuntos Políticos do Departamento de Estado, e secretário de Estado assistente para assuntos do hemisfério Ocidental. Teve uma primeira passagem pela embaixada em Brasília entre 1989 e 1992.


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