Um tesouro redescoberto

20 horas atrás 2

Em 1953, o matemático Maurício Peixoto, um dos fundadores do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), iniciou um estudo pioneiro na área relativamente nova dos sistemas dinâmicos. Ao final da década ele já conseguira provar que a maioria das equações diferenciais em dimensão dois têm um número finito de soluções periódicas e são estáveis: as soluções não são afetadas de modo essencial quando modificamos um pouco a equação.

O colega norte-americano Steve Smale logo se interessou por esses resultados. Em trabalho publicado no início de 1960, ele generalizou o tipo de equações consideradas por Peixoto para dimensões maiores e conjecturou que essas equações, que o francês René Thom chamou "de Morse-Smale", ainda seriam a maioria de todas as equações diferenciais em qualquer dimensão.

Mas pouco depois, enquanto visitava o Impa a convite de Peixoto e Elon Lages Lima, Smale recebeu uma carta do colega Norman Levinson, datada de 20 de fevereiro, que mudava tudo: Levinson tinha descoberto, tempos atrás, que há muitas equações diferenciais com número infinito de soluções periódicas. Logo, a conjectura de Smale não podia ser verdadeira!

Foi um revés embaraçoso, mas que se revelou muito profícuo: Smale reformulou a sua teoria e, em trabalho magistral publicado em 1967, lançou as bases da teoria moderna dos sistemas dinâmicos, que se tornou uma das mais ativas de toda a matemática na atualidade.

A essa altura, Smale já tinha como seu primeiro estudante de doutorado um jovem brasileiro brilhante, recomendado por Lima e Peixoto: Jacob Palis. Na sua tese, Palis generalizou muito o teorema de Peixoto e deu uma base rigorosa a parte da intuição original de Smale, ao provar que toda equação de Morse-Smale, em qualquer dimensão, é estável.

Estranhamente, numa época em que a correspondência escrita costumava ser preservada cuidadosamente, Smale não tomou tal precaução em relação à carta de Levinson: questionado ao longo dos anos, nunca soube indicar o seu paradeiro e nem sequer lembrava se tinha respondido. A famosa carta foi dada por perdida…

Imagine a surpresa quando, mais de 60 anos depois, Jair Koiller a encontrou entre os papéis de Peixoto legados ao arquivo do Museu de Astronomia após o seu falecimento, em 2019.

Surpresa ainda maior porque, ao repassar as 15 caixas de documentos do legado, Jair também encontrou uma segunda carta de Levinson cuja existência estava totalmente esquecida!

A segunda carta, datada de 22 de março, é mais técnica e estava destinada também a Peixoto, talvez tendo em vista uma eventual colaboração. Jair especula que isso pode ter motivado Smale a entregar ambas a Peixoto e logo esquecer de tê-lo feito. Peixoto, por outro lado, também não conservou memória do fato, pois nunca declarou estar na posse das missivas nas inúmeras oportunidades que teve para fazê-lo.

A década de 1960 chegava ao fim, e Smale já estava de partida para outros interesses científicos, deixando o renovado campo dos sistemas dinâmicos para seus estudantes e colaboradores. Por essa altura também, Palis regressava ao Brasil, para escrever muitos dos episódios seguintes desta história e, ao lado de colegas como Manfredo do Carmo e Elon Lages Lima, imprimir novos rumos ao Impa e à matemática brasileira.

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