A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), desta segunda-feira (21), proibindo a divulgação de entrevistas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais tem uma redação que, conforme especialistas consultados pela Folha, confunde sobre sua amplitude.
Isso porque ela abre margem para discussão sobre quais atores estariam sujeitos à restrição de postar entrevistas do ex-presidente. Segundo especialistas, do modo como está redigida a decisão existiria a possibilidade de fazer uma leitura mais ampla, que incluiria desde aliados próximos a Bolsonaro até veículos de imprensa e cidadãos.
Leituras mais restritivas envolveriam, por outro lado, um entendimento de que a ordem foi expedida para evitar que Bolsonaro pudesse burlar a decisão de proibição de usar as redes –o que dá abertura para interpretação de em quais casos isso ocorreria ou não.
Um terceiro ponto de dúvida é a quem tal ordem se destina e quem poderia ser punido como consequência.
Na sexta-feira (18), ao determinar que Bolsonaro passasse a usar tornozeleira eletrônica, Moraes também ordenou que o ex-presidente estava proibido de usar "redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros". O ministro não determinou o bloqueio ou suspensão dos perfis, mas impediu que o ex-presidente as utilizasse.
Já nesta segunda-feira (21), Moraes deu uma nova ordem em que afirma que essa medida "inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros".
Diz ainda na sequência que Bolsonaro não pode "se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão".
Horas depois, reafirmou a decisão, mandando o ex-presidente prestar esclarecimentos por ter exibido a tornozeleira a fotógrafos e proferido "discurso para ser exibido nas plataformas digitais" durante a tarde no Congresso.
A proibição foi determinada como uma medida cautelar alternativa à prisão no âmbito de uma investigação que tem como alvo a atuação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) junto ao governo de Donald Trump em defesa de sanções a autoridades brasileiras.
Em linhas gerais, medidas cautelares podem ser determinadas antes de eventual condenação, quando há risco de prejuízo em caso de demora, com objetivo de evitar o risco de novas infrações, mas sem aplicar uma ordem mais grave, como seria a prisão preventiva.
Na decisão de sexta, Moraes entendeu que uma série de declarações de Eduardo e também do ex-presidente configuram crimes como de coação no curso do processo.
O professor de direito público do Insper Ivar Hartmann classifica o cenário trazido pela ordem como esdrúxulo e avalia que a decisão é ambígua. Na avaliação dele, a leitura correta seria a de que não é qualquer divulgação de entrevistas e vídeos de Bolsonaro que estaria barrada.
"Ele [Moraes] não está dizendo que não pode nunca transcrição de entrevista, não pode nunca vídeo. Ele está dizendo que não pode o investigado se usar desses meios para burlar [a decisão]. Isso significa que tem dois tipos de entrevista: tem a entrevista que burla a proibição e tem a entrevista que não burla", interpreta Hartmann.
Uma das diferenciações feita por Hartmann seria a publicação de uma entrevista com perguntas de jornalistas de uma mera disseminação de afirmações do ex-presidente.
Para o professor de direito, cabe falar em censura a partir da decisão de Moraes. Ele vê como principal efeito negativo a autocensura que a ordem pode causar a jornalistas e ao próprio Bolsonaro. "O maior problema é a autocensura que a decisão –por sua ambiguidade– causa." Ele considera que não apenas Bolsonaro, mas terceiros poderiam vir a ser punidos.
Em nota, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmou ser "sempre favorável a entrevistas de interesse público", mas que posto isso, "não são muito claros os termos da decisão judicial sobre divulgação de entrevistas ou declarações do ex-presidente Bolsonaro".
Também segundo a advogada e professora de direito penal da FGV Raquel Scalcon, a decisão não é clara sobre sua amplitude.
Ela entende que a interpretação mais plausível seria a mais restritiva possível quanto ao seu alcance. Com isso, publicações feitas por terceiros e pela imprensa de entrevistas de Bolsonaro não estariam abrangidas, mas apenas posts do próprio ex-presidente ou perfis que ele estaria "instrumentalizando".
Para Raquel, a ordem não poderia atingir um rol indeterminado de pessoas, mas apenas quem faz parte do processo em questão. Ela aponta ainda que a responsabilização só poderia recair sob Bolsonaro –com eventual determinação de prisão preventiva em caso de descumprimento.
Com isso, ela também interpreta que não caberia responsabilizar Bolsonaro por post sobre os quais ele não tem ingerência. "Me parece que tem que ter uma determinação dele [Bolsonaro], para um terceiro fazer [a postagem]. Porque senão eu acho que fica inviável de imputar a ele", diz ela.
Para além da ambiguidade da decisão, Scalcon tem uma visão contrária à possibilidade de imposição de medidas cautelares que não estejam literalmente previstas na lei, como é o caso.
FolhaJus
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Na avaliação de Ana Laura Pereira Barbosa, professora de direito da ESPM, o entendimento sobre se a divulgação de uma entrevista de Bolsonaro nas redes sociais é ou não vedada vai depender do caso concreto.
"Tudo depende se isso for interpretado como burla à proibição do uso de redes sociais", diz ela. "Mas, na minha visão, isso não poderia ser usado para impedir toda e qualquer replicação de entrevista por meio da imprensa."
Ela diz que mesmo se tratando de uma entrevista à imprensa, haveria situações distintas com gradações diferentes que poderiam servir como critério para entender se houve ou não burla, como o quanto ela seria usada como um canal direto para ele se comunicar ou com perguntas feitas por jornalistas.
"Por mais que isso não tenha ficado explícito na decisão, minha visão é que a proibição do uso das redes sociais tem o intuito de evitar atos que favoreçam a obstrução de Justiça, influência ou tentativa de influência no destino das decisões do tribunal", avalia ela.
Além da diferença de o caso de Bolsonaro estar restrito às redes sociais e não à vedação de realização de entrevistas em si, Ana Laura faz uma segunda distinção entre o caso atual e a decisão do STF em 2018 de proibir o ex-presidente Lula de dar uma entrevista da prisão. Enquanto no caso de Lula ele já estava condenado, agora se trata de uma medida cautelar alternativa à prisão, para evitar novas infrações.