Vinícola gaúcha aposta em uvas inéditas no Brasil para enfrentar mudanças climáticas

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Já ouviu falar da uva Irsai Oliver? A casta branca de origem húngara, praticamente desconhecida no Brasil, vai estampar o rótulo do próximo lançamento da Cooperativa Vinícola Garibaldi. Será um branco monovarietal, previsto para chegar às lojas entre agosto e setembro.

O vinho é o segundo nascido no vinhedo experimental da cooperativa, localizado em Santa Tereza, município da Serra Gaúcha. O primeiro lançamento, um branco elaborado com a uva Palava, da República Tcheca, já está na segunda safra, ao preço médio de R$ 100.

O projeto da Garibaldi acompanha um movimento de escala global –produtores das regiões vitícolas mais tradicionais do mundo, como Champagne, na França, estão investindo na pesquisa de variedades com maior resistência às cambalhotas do clima, cada vez mais frequentes.

Com apenas 1 hectare de extensão, o vinhedo experimental gaúcho funciona como um laboratório a céu aberto. Em cada uma das 60 linhas, foram plantadas cem mudas de uma cepa jamais testada em solo brasileiro. Todas foram fornecidas pela Vivai Cooperativi Rauscedo (VCR), da Itália.

O projeto foi mantido em segredo por cinco anos. "As linhas são identificadas por códigos, para enganar os espiões", entrega André Luís Rech, sommelier e gestor de comunicação da cooperativa.

Não que seja fácil chegar até lá. O vinhedo experimental está no miolo de uma propriedade de 8 hectares, que pertence ao cooperado Vanderlei Berra e seu filho, o enólogo João Paulo Berra, terceira e quarta gerações na viticultura.

Sob a supervisão de Evandro Bosa, gerente técnico agrícola da Garibaldi, a dupla guardiã do pedaço de terra tem a missão de observar como as uvas se desenvolvem ao longo de três ou quatro safras. Só então é possível ter certeza de que as cepas, vindas de regiões bem mais frias, se adaptaram bem às condições da Serra Gaúcha.

"Como tem havido muita oscilação do clima, não podemos tomar uma decisão com base em uma safra apenas. Também plantamos todas as uvas em dois sistemas de condução, espaldeira e latada, para testar o potencial enológico de ambos", Bosa explica.

A segunda fase dos testes acontece na cantina, onde o enólogo Ricardo Morari conduz microvinificações com as uvas colhidas. Em alguns casos, o resultado se resume a dois garrafões de 15 litros. "Dá mais trabalho do que elaborar milhões de litros de vinho", ele compara.

O aval de Morari é o sinal verde para que Bosa amplie o plantio, arregimentando cooperados que estejam dispostos a embarcar na aventura. "Trazemos os produtores para um dia de campo e sugerimos o plantio, considerando as condições do terroir de cada propriedade. O investimento é do cooperado, mas quem arca com os custos de importação das mudas é a cooperativa", Bosa explica.

Também cabe à cooperativa cuidar da burocracia –até mesmo a primeira importação de mudas para testes depende de autorização prévia do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Após a aprovação em campo, tem início o processo no Registro Nacional de Cultivares, gerido pelo Mapa. A taxa (R$ 384,53 por variedade) é dividida entre a Garibaldi e a VCR.

O sucesso do vinho Palava, de perfil leve e aromático, tem funcionado como um estímulo extra. A safra de 2025 gerou 12,5 mil garrafas, o dobro do volume da primeira, em 2024. Segundo o enólogo, o desconhecimento do público em relação ao nome da uva gerou até mais curiosidade. "Temos a mesma expectativa com o Irsai", admite.

De acordo com André Luís Rech, a estratégia de marketing para os lançamentos tem como foco os consumidores mais jovens, que buscam cada vez mais os rótulos leves e frescos, com baixo teor alcoólico.

O plantio de uvas híbridas mais resistentes a fungos é outra frente de pesquisa da cooperativa. Resultado do cruzamento entre variedades americanas e viníferas, as uvas piwis –apelido para o termo alemão "pilzwiderstandsfähige rebsorten"– são promessas para vinhos mais simples, importantes para o portfólio da Garibaldi.

O teste de uma variedade tinta, clone de Pinot Noir, está em fase mais adiantada –a uva já vai entrar em produção e está sendo cogitada como base para um espumante rosé. Outras duas castas brancas, também em teste, ainda precisam convencer o enólogo.

"Ambas têm demonstrado perfis aromáticos. Uma delas lembra a Sauvignon Blanc, enquanto a outra se parece com a Chardonnay, mas ambas estão na fase de experimento, porque ainda não nos deram segurança."

Fundada em janeiro de 1931, a Cooperativa Vinícola Garibaldi se ergueu baseada na produção de vinhos de mesa e, até 2021, produziu apenas os chamados vinhos de combate.

Em 2022, sob a presidência de Oscar Ló, a empresa lançou o primeiro monovarietal e passou a mirar no melindroso mercado dos vinhos finos tranquilos de maior valor agregado.

Eles ainda representam uma fatia pequena do faturamento de R$ 322 milhões, apenas 6% –os espumantes respondem por 50%, enquanto os sucos de uva ficam em segundo lugar, com 30%, seguidos dos espumantes de entrada, elaborados com uvas americanas (8%) e dos vinhos tranquilos de mesa (6%). Mas tudo indica que a proporção pode mudar em breve.

Neste ano, a Garibaldi vai participar pela primeira vez da feira ProWine, que será realizada em São Paulo, de 30 de setembro a 2 de outubro. De acordo com Oscar Ló, embora as uvas americanas respondam por 85% da produção na Serra Gaúcha, os 450 cooperados da Garibaldi estão descobrindo que andar na direção contrária dá mais retorno.

"Nossa cooperativa já tem 42% da produção de uvas viníferas. É sua rentabilidade maior que tem nos ajudado a manter os cooperados mais jovens no campo."

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