A briga entre Trump e Musk e por que o autocrata sempre vence o oligarca

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Há já mais de uma década que o sociólogo e ex-ministro da educação húngaro Bálint Magyar determinou para os países pós-soviéticos a designação de Estados-máfia.

O Estado-máfia pós-soviético é, para ele, caracterizado por dois personagens principais: de um lado o autocrata, que tem poder político ostensivo, mas poder econômico oculto; do outro lado, o oligarca, que tem poder econômico ostensivo, mas poder político oculto. Para inspiração, Bálint Magyar tinha o seu próprio país, a Hungria, que nessa década de 2010 começava a ter a sua guinada autoritária sob o governo de Viktor Orbán.

Nessa época inicial, Orbán, o autocrata, tinha o seu oligarca preferido na figura de Lajos Simicska, um magnata da imprensa e da propaganda que teve uma responsabilidade central na criação da rede de empresas que eram financiadas com dinheiro da União Europeia através do favorecimento do governo húngaro, e que por sua vez retribuíam dinheiro para o partido no poder ou através da compra e controle de empresas consideradas úteis por Orbán.

O autocrata —como Orbán, ou Vladimir Putin— é o pai da pátria e o chefe do governo. A sua figura é reconhecida e utilizada em todo o lado. Mas supostamente ele não pode ser rico, pelo menos não com o salário oficial que consta na lei. Destituídos de fortunas iniciais, os autocratas rodeiam-se de oligarcas que salivam pela "sorte" na obtenção de contratos públicos e na construção de infraestrutura.

Por sua vez, os oligarcas são as carteiras do autocrata, guardando o seu dinheiro para utilização futura.
Ora acontece que, por vezes, os autocratas e os oligarcas brigam. Na Rússia o caso tem solução fácil: o oligarca cai acidentalmente de uma janela, e morre. Ou é preso. Ou bebe chá com plutônio. Ossos do ofício.

Na Hungria, Orbán e Simicska também brigaram. Não sendo a Hungria nessa altura ainda um Estado autoritário assumido, e pegando mal na União Europeia o assassinato de adversários, ou mesmo de ex-amigos, o tratamento foi mais sutil: Orbán privou Simicska de contratos vantajosos, como por exemplo o que detinha sobre a publicidade estática nas ruas de Budapeste, e a vida seguiu adiante. O oligarca continua sendo rico, agora animado por uma inimizade profunda contra o autocrata, mas o autocrata ganha sempre.

Curiosamente, o fato de o poder político ganhar contra o poder econômico nos diz alguma coisa sobre a natureza do regime. Nas democracias, infelizmente, é costume o poder político perder. Nos regimes autoritários, como são os Estados-máfia, o poder econômico pouco pode contra quem tem os exércitos, o orçamento do Estado, a administração pública, os tribunais e a investigação criminal.

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E essa diferença será muito útil para quem quiser seguir os próximos passos da rivalidade entre os ex-amigos Donald Trump e Elon Musk nos Estados Unidos. O megaoligarca, homem mais rico do mundo, anunciou agora a criação de um partido. No entanto, eu aposto que Trump ganha essa. E isso contará para a definição dos EUA como regime autoritário.

É que, na verdade, Trump é um autocrata que nunca precisou de oligarca. Ele é uma espécie nova, feita de poder político e poder econômico, ambos ostensivos: o autoligarca.

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