Advogados da União recebem até R$ 547 mil ao mês em honorários sem transparência

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Integrantes da AGU (Advocacia-Geral da União) receberam até R$ 547 mil em um único mês, no ano passado, como honorários de sucumbência, espécie de bônus pago aos servidores da área jurídica do Executivo pela atuação na defesa dos interesses da União.

Os pagamentos são feitos por meio de uma entidade privada abastecida com recursos públicos. Os repasses ocorrem sem a devida transparência, pois não há ferramentas públicas para saber como os valores individuais são calculados e verificar se estão corretos.

Os dados mais recentes (de dezembro de 2024 a julho de 2025) ainda não foram disponibilizados no Portal da Transparência. Nesse período, a Folha apurou que servidores da carreira receberam novos pagamentos, que chegam a R$ 400 mil, segundo relatos que circulam entre membros do Executivo e de órgãos de controle.

Expedientes para turbinar o pagamento de honorários ocorre no momento em que o governo Lula (PT) tenta convencer o Congresso a votar o projeto que limita o pagamento de supersalários na administração federal. A iniciativa enfrenta resistências de carreiras beneficiadas pelos chamados penduricalhos.

Os honorários de sucumbência foram criados em 2016. São beneficiados advogados da AGU e procuradores da PGF (Procuradoria-Geral Federal), da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e do Banco Central.

Os valores são pagos por meio do CCHA (Conselho Curador dos Honorários Advocatícios), uma entidade de natureza privada que já recebeu R$ 15,8 bilhões da União desde sua criação, segundo dados do Portal da Transparência.

As transferências têm crescido ano a ano. Em 2017, quando efetivamente começaram, os repasses foram de R$ 1,3 bilhão, em valores atualizados pela inflação. No ano passado, o CCHA recebeu R$ 3,84 bilhões —aumento real de 195,4%.

"Não tem transparência nem governança nenhuma. É uma caixa preta de bilhões de reais", afirma Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral.

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Em 2020, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a constitucionalidade dos honorários de sucumbência recebidos pelos advogados públicos, mas determinou que a soma do salário e da verba extra não poderia ultrapassar o teto do funcionalismo, hoje em R$ 46.366,19 ao mês.

No entanto, sempre que há pagamento de valores retroativos (referentes a períodos anteriores), há brecha para ultrapassar esse limite. A lógica é a seguinte: como o montante se refere a vários meses, na média ele fica abaixo do teto.

Na prática, a estratégia dos membros da AGU é usar o espaço deixado pelas remunerações inferiores ao teto, no passado, e preenchê-los de forma retroativa sempre que há ingresso extra de recursos no fundo administrado pelo CCHA.

Segundo um integrante da carreira, se há valores disponíveis e a legislação permite os pagamentos, a intenção é "remunerar bem os procuradores". A categoria enxerga o benefício como uma forma de manter a atratividade da carreira pública, uma vez que advogados privados podem ganhar muito mais.

Especialistas, porém, discordam desse argumento, uma vez que advogados da União têm maiores garantias do que profissionais liberais do setor privado, como subsídio mensal fixo, férias e 13º salário, além da própria estabilidade no cargo.

O expediente mais recente para turbinar os ganhos dos advogados foi a determinação para pagar terço de férias sobre o valor dos honorários, com repercussão retroativa. A medida foi confirmada à reportagem por quatro integrantes da carreira que defendem o repasse. Na visão deles, o terço de férias deve ser calculado sobre toda a remuneração, não apenas sobre o subsídio fixo mensal, como de fato ocorreu.

O entendimento abriu caminho para repasses vultosos feitos nos últimos meses —e que não puderam ser checados de forma independente porque não estão listados no Portal da Transparência. Há relatos de pagamentos individuais de R$ 100 mil, R$ 200 mil e até R$ 400 mil.

Na semana passada, o CCHA informou à Folha que houve "identificação de inconsistências na formatação dos dados no Portal da Transparência" e, por isso, as informações não foram publicadas. "As atualizações e adequações serão realizadas nos próximos dias", afirmou, no dia 9. Procurado novamente nesta nesta segunda-feira (14), o conselho não se manifestou.

A AGU também não comentou os valores retroativos, nem o apagão nos dados recentes sobre os honorários.

No início de junho, a Folha já havia procurado o órgão para questioná-lo sobre a falta de atualização de um painel resumido sobre os honorários, que contém inclusive o valor médio pago para cada advogado. Algumas informações estão congeladas desde 2023.

"Os dados sobre esse tópico relativos a 2024 foram solicitados pela AGU ao CCHA, mas ainda não foram enviados pelo Conselho. Com o recebimento deles, o tópico será imediatamente atualizado", disse a AGU na ocasião.

Além do terço de férias, os advogados da União têm recorrido a outros expedientes para turbinar os honorários.

Nas informações que já estão públicas, valores mensais superiores a R$ 100 mil são justificados como rateio extraordinário, ressarcimento de alimentação ou saúde complementar, ressarcimento de anuidades pagas à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entre 2017 e 2024, ou compensação financeira decorrente de acordo para resolver ou evitar litígio judicial.

Valores até maiores, não são explicados. Em agosto de 2024, um procurador federal do Rio de Janeiro aposentado desde 2013 recebeu R$ 546,5 mil em honorários de sucumbência, referentes ao mês de julho. Não há detalhes do que originou a obrigação. Em todo o ano, o servidor recebeu R$ 576,3 mil em verbas extras, o segundo maior valor entre todos os 12,3 mil integrantes da carreira beneficiados.

Já em novembro, houve o pagamento de R$ 517 mil a um procurador federal de Alagoas aposentado desde 1995. Foi o único valor recebido por este servidor no ano passado.

Outros 13 membros da carreira jurídica receberam repasses de R$ 300 mil a R$ 500 mil em algum mês de 2024. Um deles, procurador em atividade no estado de São Paulo, recebeu R$ 492,4 mil em honorários de uma só vez em março, e R$ 621,7 mil ao longo de todo o ano —o campeão entre os servidores da carreira jurídica.

"Não sabemos sequer se os valores transferidos a título de honorários estão corretos, pois não há transparência sobre a quais ações se referem e o montante referente a cada uma delas", afirma Carazza.

No ano passado, o CCHA também instituiu o auxílio saúde, um novo penduricalho de até R$ 3.500 pago fora do teto remuneratório e isento de tributos.

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