O STF (Supremo Tribunal Federal) optou pelo caminho intermediário na decisão que alterou o Marco Civil da Internet. Nem as teses mais radicais dos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes nem a manutenção do status quo defendida por Edson Fachin, André Mendonça e Kassio Nunes Marques.
Mas, ainda que tenha triunfado a tese intermediária da corte, ela ainda é muito mais radical do que o PL 2.630, das fake news, apresentado em 2020. Ou seja, as big techs, que passaram anos fazendo lobby cerrado contra as propostas de lei tramitando no Congresso, acabaram agora sob um regime de responsabilidade muito mais duro, ditado pelo STF.
No PL das Fake News, por exemplo, não havia responsabilidade após notificação extrajudicial, conhecimento presumido (e punição mesmo antes de qualquer notificação) de anúncios e posts impulsionados nem obrigação de remoção de conteúdos considerados riscos sistêmicos.
"É uma decisão bem robusta, mesmo que medeie os votos. Muda muito do que é exigido das plataformas", diz Francisco Brito Cruz, professor do IDP.
Na decisão, prevaleceu a visão do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e dos ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes.
A tese estabelece o regime de "notice and action", semelhante ao que vigora na União Europeia, para conteúdos de terceiros em casos de crime ou atos ilícitos. Nesse regime, as big techs podem ser responsabilizadas por efeitos decorrentes desses conteúdos se não agirem após notificação extrajudicial, ou seja, denúncia de usuário ou outra pessoa.
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Hoje em dia, segundo o artigo 19 do Marco Civil da Internet, os provedores só são responsáveis por eventuais danos decorrentes de conteúdo de terceiros se não agirem após ordem judicial. Mendonça, Fachin e Kassio, votos vencidos, defendiam que o regime de responsabilidade se mantivesse dessa maneira.
Havia apenas uma exceção, prevista no artigo 21 da lei, que trata de conteúdo com nudez não consentida, a chamada pornografia de vingança –nesse caso, bastava notificação extrajudicial. Com a decisão do Supremo, ampliam-se os casos que se encaixam no artigo 21.
Além disso, o provedor de internet passa a ter um dever de cuidado –deve remover imediatamente conteúdos que configurem crimes graves, especificados em uma lista taxativa. Entre eles, violações da Lei do Estado Democrático de Direito, violações do Estatuto da Criança e do Adolescente, homofobia e racismo.
A lista é taxativa, o que traz certo alívio para as big techs —não queriam que essa lista pudesse ser expandida e ficasse mudando. Defendiam uma lista fixa e bem delineada sobre conteúdo que devem remover.
Nesses casos, a responsabilidade não se dará por conteúdo único ou esparso. Deve-se detectar uma falha sistêmica –constatar-se que as empresas deixaram de adotar, de forma geral, medidas de prevenção e remoção desses tipos de conteúdo.
Em alguns temas, evitou-se o pior, na visão das plataformas. No caso de crimes contra a honra, não vingou a tese defendida por Luiz Fux, de que os provedores poderiam ser responsabilizados a partir de denúncias de usuário. O temor era que viria uma guerra de denúncias e indústria de indenização. O STF decidiu que crimes contra honra continuam dentro do artigo 19.
Também foi explicitado que não haverá responsabilidade objetiva (sem comprovação de culpa ou dolo), que era a opção "bomba nuclear" proposta por Toffoli. "Não haverá responsabilidade objetiva na aplicação da tese aqui enunciada", consta da decisão do STF.
Especialistas veem algumas brechas para as plataformas escaparem de eventuais punições. Por exemplo, podem evitar responsabilização se o Judiciário considerar que elas tomaram medidas "adequadas conforme o estado da técnica".
Para Filipe Medon, professor da FGV Direito Rio, na prática, é uma cláusula aberta para as empresas alegarem que fizeram o que podiam.
Ainda assim, a decisão do STF reduz significativamente a imunidade das plataformas em relação a conteúdo de terceiros. Algumas big techs devem estar pensando: "Volta, PL das Fake News".