Se você já fez voz de bebê, então participou de uma experiência especial. Enquanto humanos constantemente conversam com seus bebês, outros primatas quase nunca o fazem, revela um novo estudo.
"É uma nova característica que evoluiu e se expandiu em nossa espécie", disse a linguista Johanna Schick, da Universidade de Zurique, autora da pesquisa publicada na última quarta-feira (25) na revista Science Advances.
Essa expansão, argumentam Schick e seus colegas, pode ter sido crucial para a evolução da linguagem.
Outros mamíferos podem latir, miar, rugir. Mas nenhuma outra espécie pode usar um conjunto de sons para produzir palavras, ou construir frases com essas palavras para transmitir uma variedade de significados.
Para traçar a origem do nosso dom da linguagem, pesquisadores frequentemente estudam os nossos parentes vivos mais próximos. Esses estudos sugerem que alguns dos ingredientes da linguagem já haviam evoluído nos ancestrais que compartilhamos com os primatas.
Os chimpanzés podem, por exemplo, emitir dezenas de chamados distintos e podem juntá-los em pares para comunicar coisas novas. Mas construir significado a partir de unidades menores é o que permite a nós, humanos, formar frases a partir de palavras.
Humanos e primatas são semelhantes de outra maneira: seus filhotes precisam de tempo para aprender a produzir sons como os adultos.
Cientistas fizeram muito mais pesquisas sobre como os bebês humanos desenvolvem a linguagem do que sobre como os filhotes de primatas selvagens aprendem a fazer chamados.
Uma característica marcante dos humanos é a maneira como os adultos falam com as crianças pequenas. A fala dirigida aos bebês, o "mamanhês", frequentemente apresenta palavras repetidas, uma ênfase exagerada nas sílabas e um tom alto e melodioso.
Esse padrão é eficaz para captar a atenção das crianças pequenas, mesmo quando elas são muito jovens para entender o significado das palavras que os adultos estão dizendo. É possível que os bebês prestem atenção a esse discurso porque isso os ajuda a aprender algumas das características básicas da linguagem.
No entanto, o momento em que a fala dirigida a bebês evoluiu tem sido um mistério há muito tempo, sem quaisquer estudos aprofundados acerca de primatas selvagens. "Havia uma enorme falta de dados", disse a bióloga Franziska Wegdell, da Universidade de Zurique (Suíça).
Para coletar esses dados, Wegdell viajou ao Congo para observar bonobos, uma espécie estreitamente relacionada aos chimpanzés. Todos os dias, ela encontrava um filhote de bonobo para acompanhar e observava cada vez que um adulto se comunicava com ele ou com outro adulto na presença do filhote.
Ao mesmo tempo, a bióloga Caroline Fryns, da Universidade de Neuchâtel (Suíça), uma das autoras do estudo, foi a Uganda. Lá, ela e seus colegas observaram chimpanzés —a equipe fez isso utilizando os mesmos métodos empregados por Wegdell com os bonobos.
Para completar os dados sobre primatas, os pesquisadores recorreram a informações obtidas em expedições anteriores. Fryns havia feito observações de orangotangos na Indonésia, e a primatologista Lara Nellissen, do Museu Nacional de História Natural em Paris, de gorilas na República Centro-Africana.
Os cientistas coletaram dados não apenas sobre primatas, mas também sobre crianças de culturas de todo o mundo. Schick foi à floresta amazônica no Peru para realizar trabalho de campo com um grupo indígena. Ela filmou uma criança a cada dia, anotando cada vez que um adulto falava com ela. Os pesquisadores também analisaram observações semelhantes feitas por outros cientistas em Nova Guiné, Nepal e nos Alpes Suíços.
Os pesquisadores descobriram uma diferença marcante entre humanos e primatas: os primatas jovens raramente ouviam comunicação dirigida a bebês dos primatas adultos ao seu redor. Mesmo entre os chimpanzés, que conversam entre si regularmente, os adultos podem chamar apenas uma vez um filhote durante todo o dia. Em outros dias, os jovens chimpanzés não recebiam comunicação alguma, nem mesmo de suas mães.
As crianças humanas têm uma experiência profundamente diferente com a linguagem, descobriram os pesquisadores. Em todas as culturas, os adultos falam com as crianças muitas vezes ao dia —a cada poucos minutos em alguns casos.
A taxa com que as crianças ouviam comunicação dirigida a bebês era 69 vezes maior em comparação à que Fryns observou entre chimpanzés e 399 vezes maior em relação à que Wegdell observou entre bonobos.
Os pesquisadores especularam que os macacos jovens aprendiam a fazer vocalizações ouvindo os adultos se comunicarem entre si. Esse treinamento era suficiente para incutir um sistema de sons relativamente simples.
Porém, quando os primeiros humanos começaram a desenvolver uma linguagem complexa, as crianças precisavam de mais ajuda. Falar muito com elas antes que pudessem falar pode ter permitido que dominassem a palavra falada.
A linguista Marina Kalashnikova, do Centro Basco de Cognição, Cérebro e Linguagem na Espanha, elogiou o estudo. Mas também observou que a criança mais nova no estudo tinha 11 meses de idade, enquanto a maioria, entre 2 e 4 anos.
"Acho que a idade das crianças pode ter influenciado tanto a forma como os adultos falam com elas quanto a quantidade", disse a linguista.
É possível que os padrões que os cientistas observaram em humanos sejam diferentes para bebês nos primeiros meses de vida, quando estão ouvindo a fala humana pela primeira vez.
Contudo, segundo Kalashnikova, observar recém-nascidos seria difícil. "Embora desafiador, esses dados seriam valiosos para alcançar o objetivo principal desse trabalho."