Brics no Brasil reafirma balela que chamam de Sul Global

6 dias atrás 10

A diplomacia sempre gostou de um rótulo. Tome-se por exemplo o Brasil, país que já foi do Terceiro Mundo na Guerra Fria, do bloco dos emergentes na designação mais mercadista dos anos 1990 e, agora, um orgulhoso representante do autodenominado Sul Global.

Em comum a tal designações, além da conveniência de sua artificialidade a seu tempo, está a imprecisão a serviço de uma visão dita "decolonial", aspas obrigatórios ante tal neologismo afeito ao identitarismo ideológico que grassa por essas plagas.

A reunião do Brics no Brasil comprova, mais uma vez, a balela que é o dito Sul Global, até adotado nas comunicações oficiais. Não existe bloco sem debate e divergência, é evidente, mas a ideia de que o grupo represente algum princípio coeso é frágil —a União Europeia, apesar das falhas, é um projeto civilizatório.

Como o presidente Lula (PT) aprendeu ao faltar à reunião na Rússia de Vladimir Putin em 2024, ainda que por obra de um acidente doméstico, a ausência fala mais alto do que a presença no Brics de hoje.

Naquele ano, o petista não precisou encarar os muxoxos de Nicolás Maduro e aplicou um veto inaudito à ditadura venezuelana, desagradando inclusive o anfitrião, com quem de quebra não precisou tirar uma incômoda fotografia. O fez com juros meses depois, mas essa é outra história.

Não que as origens do grupo devam ser romantizadas. Cabe lembrar que, se politicamente fazia todo sentido criar um fórum para realidade nova que a ascensão chinesa criava no mundo pós-Guerra Fria, o DNA do Brics era econômico.

A sigla havia sido proposta como mais um rótulo para investidores em um artigo de 2001 de Jim O'Neil, economista-chefe do Goldman Sachs.

Mas não demorou para que os fundadores tomassem a reunião como uma espécie de alternativa ao G20, quiçá ao G7, naqueles anos 2000 que pareciam ver a decadência ocidental em ritmo acelerado —a crise de 2008, na qual o supracitado banco teve papel de destaque, soava como profecia autorrealizável.

Cada nação fez o uso que quis do Brics. Sua mais musculosa integrante, a China, foi tímida no começo, mas com a chegada de Xi Jinping em 2012 ao poder, operou em seu favor, culminando na expansão do bloco em 2023.

Depois, perdeu interesse no brinquedo, ciente de sua inutilidade prática além da retórica antiamericana. Já Putin ainda insiste em ampliar a desdolarização, tendo empoderado Dilma Rousseff como sua linha auxiliar no banco do bloco.

Se discutir o uso do dólar como a arma política que sempre foi é salutar, cabe notar que o debate vai provavelmente arrefecer assim que Donald Trump reabrir as portas do mundo financeiro a Moscou.

No Brasil, o Brics é instrumento na polarização, tendo sido adotado pela esquerda saudosa do Terceiro Mundo como uma prova da genialidade de seu líder, Lula. Profissionais no Itamaraty o enxergam pelo valor de face, mas os arroubos lulistas costumam colocar as coisas a perder.

Agora, no Rio, as ausências voltaram a falar alto. Xi ignorou o evento, Putin não pretende que algum juiz de primeira instância o mande para a cadeia, o pessoal do Oriente Médio tem mais o que fazer.

Coube a um dos últimos, o Irã, o simulacro de polêmica da vez, com a insistência da teocracia em bater mais duro em Israel e nos EUA pelas bombas recentes. Lula até toparia, mas Narendra Modi, não —os negócios de Trump com a Índia vão de vento em popa, outro sinal de como a banda toca.

Lá Fora

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Arrumou-se então uma saída intermediária que, de todo modo, não traz consequência alguma para o conflito em si.

Inexistente fora do marketing o Sul Global, que há é uma realidade mutante na qual os EUA já não jogam sozinhos, embora ainda sejam os donos da bola quando a briga se torna mais dura, algo exacerbado pelo voluntarismo sem norte de Trump.

Que os jogadores queiram manter um clube, é lícito, ainda que sejam ocasionalmente sequestrados pela agenda daqueles mais fortes.

Nesse sentido, a cacofonia de silêncios do Rio sai barata para Lula, que desperdiçou a oportunidade dada pela terra arrasada deixada por Jair Bolsonaro, preferindo bater boca editoriais da Economist.

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