Em 1947, contrariando os melhores conselhos de navegação, o explorador norueguês Thor Heyerdahl (1914-2002) e cinco tripulantes partiram do Peru em uma jangada de madeira de balsa para testar a ideia de que antigas culturas sul-americanas poderiam ter chegado à Polinésia. A frágil embarcação, chamada Kon-Tiki, atravessou vários milhares de quilômetros no Pacífico em 103 dias e mostrou que seu palpite antropológico era, pelo menos, plausível.
Em 2019, com o mesmo espírito, uma equipe de pesquisa liderada pelo antropólogo Yousuke Kaifu, da Universidade de Tóquio, construiu uma canoa escavada para estudar outro aspecto da migração no Pacífico ocidental: como os humanos antigos, há mais de 30 mil anos, navegaram pela poderosa corrente Kuroshio de Taiwan até as ilhas japonesas do sul, como Okinawa, sem mapas, ferramentas de metal ou barcos modernos?
"Como qualquer evidência física teria sido levada pelo mar, recorremos à arqueologia experimental, de forma semelhante ao Kon-Tiki", disse Kaifu.
Dois estudos publicados no último dia 25 na revista Science apresentaram os resultados desses experimentos.
Em um deles, modelos oceânicos avançados recriaram centenas de viagens virtuais para identificar as rotas mais plausíveis para a travessia. "Testamos várias estações, pontos de partida e métodos de remo em condições modernas e pré-históricas", afirmou Kaifu.
O outro artigo descreve a jornada de 45 horas que a equipe de Kaifu fez do leste de Taiwan até a Ilha Yonaguni, no sul de Ryukyus. Os navegadores, quatro homens e uma mulher, remaram a canoa de 7,5 metros, um tronco de cedro escavado batizado de Sugime, por 225 quilômetros em mar aberto, confiando apenas nas estrelas, no Sol e no vento para se orientar. Frequentemente, eles não conseguiam ver a ilha de destino.
"A equipe de Yosuke Kaifu encontrou a resposta mais provável para a questão da migração", disse o arqueólogo Peter Bellwood, da Universidade Nacional da Austrália, que não esteve envolvido no estudo. A travessia entre ilhas, segundo ele, teria sido uma das mais antigas e entre as mais longas na história do Homo sapiens até aquele período, superada apenas pela migração para a Austrália a partir do leste da Indonésia há cerca de 50 mil anos.
Os primeiros humanos provavelmente usaram pontes terrestres e embarcações para viajar do continente asiático para o arquipélago japonês. Três rotas principais foram propostas: da Coreia para Kyushu; da Rússia para Hokkaido; e de Taiwan para Okinawa. Relíquias de seis ilhas dentro da cadeia de Ryukyu, com 1.200 quilômetros de extensão, indicam que pessoas migraram para lá entre 35 mil e 30 mil anos atrás, chegando tanto do norte, via Kyushu, quanto do sul, via Taiwan.
"As ilhas sempre estiveram localizadas a pelo menos 80 quilômetros da costa do Leste Asiático, mesmo durante a última era glacial com seus baixos níveis do mar, e até 180 quilômetros de distância umas das outras", afirmou Bellwood. Registros geológicos sugerem que a Kuroshio, também conhecida como corrente negra, permaneceu estável por 100 mil anos ou mais.
Kaifu teve a ideia para o projeto de migração em 2013, mas não tinha dinheiro para realizá-lo. Três anos depois, ele persuadiu o Museu Nacional de Ciência e Natureza do Japão, onde trabalhava como pesquisador, a atuar como patrocinador.
Com a viagem custeada em grande parte por um financiamento coletivo e com os conselhos de caiaquistas marítimos, a equipe do antropólogo tentou fazer a rota de 75 quilômetros das ilhas Yonaguni até as ilhas Iriomote em barcos feitos de juncos. A tentativa não teve sucesso. As embarcações provaram ser estáveis, porém eram muito lentas para lidar com as fortes correntes.
Em 2017, com o apoio do Museu Nacional de Pré-História de Taiwan, os cientistas experimentaram jangadas feitas de bambu e ratã. Um protótipo era durável, entretanto, como no caso das embarcações de junco, não era rápido o suficiente para navegar pelo Kuroshio. Uma segunda versão, mais leve, era propensa a rachaduras e não durou muito tempo em alto-mar.
Após calcular que atravessar o Kuroshio exigiria uma velocidade de pelo menos 3,7 quilômetros por hora, Kaifu procurou materiais mais pesados. Um grande cedro-japonês foi derrubado e esculpido usando machados de pedra modelados a partir de ferramentas de aproximadamente 28 mil a.C. "A ideia era replicar os métodos de construção de canoas que os navegadores pré-históricos podem ter usado", disse Kaifu.
Então, o Sugime partiu de Taiwan. E, dessa vez, a viagem foi um sucesso.
Kaifu disse não acreditar que uma viagem de retorno teria sido possível. "Se você tem um mapa e conhece o padrão de fluxo do Kuroshio, você pode planejar seu retorno", afirmou ele. "Mas tais coisas provavelmente não aconteceram até muito mais tarde na história."
Os antigos marinheiros chegaram às Ilhas Ryukus por acidente ou por meio de navegação deliberada? Kaifu observou que as ilhas podiam ser avistadas do topo de uma das montanhas costeiras de Taiwan, indicando uma viagem intencional. Para testar isso, sua equipe colocou à deriva 138 boias rastreadas por satélite e descobriu que apenas quatro chegaram a menos de 20 quilômetros de qualquer uma das ilhas, e elas haviam sido impulsionadas por tempestades.
"O que isso nos diz é que o Kuroshio direciona os objetos à deriva para longe, e não em direção às Ilhas Ryukyu", disse Kaifu. "Também nos diz que aqueles pioneiros, homens e mulheres, devem ter sido remadores experientes com estratégias eficazes e uma forte vontade de enfrentar o desconhecido."
Na sua visão, os ilhéus japoneses da antiguidade não eram meros passageiros do acaso, mas exploradores obstinados.