Com recorde de suicídios e superlotação, Itália enfrenta colapso carcerário

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A Itália enfrentava uma forte onda de calor no fim de junho, com temperaturas perto dos 40 graus, quando o presidente Sergio Mattarella fez um alerta público para as condições das prisões no país. Cobrou investimentos e dignidade para os detentos, para que as cadeias não sejam lugares "sem esperança". "O número de suicídios nos cárceres é dramático, uma verdadeira emergência social", disse o chefe de Estado.

Dias antes tinha sido o papa Leão 14 a mencionar o problema. "Frequentemente, em nome da segurança, é travada uma guerra contra os pobres, lotando as prisões com aqueles que são o último elo de uma corrente de morte", afirmou em evento ligado ao combate às drogas.

Com prisões superlotadas e taxa recorde de suicídios, o sistema carcerário do país enfrenta uma crise nos últimos anos, acentuada pelo aumento constante de presos. O tema está quase diariamente presente na cobertura jornalística, e os mais críticos chamam a situação de "pena de morte informal", como disse, no início do mês, o diretor do Il Post, Francesco Costa.

Na tentativa de dar uma resposta, o governo anunciou, em 15 de julho, a intenção de fazer com que 10 mil detentos (16% do total) passem a cumprir suas penas em modo alternativo aos institutos penitenciários, como prisão domiciliar e liberdade condicional. O ministro da Justiça, Carlo Nordio, afirmou que uma força-tarefa está sendo criada com integrantes do Judiciário e dos presídios para discutir os casos.

Poderão se beneficiar da medida aqueles cuja pena restante for menor que dois anos e que não tenham recebido sanções disciplinares graves no último ano. Estão fora do grupo condenados por crimes graves ligados, entre outros, a terrorismo e associação mafiosa. Os primeiros resultados, diz o ministro, virão em setembro –quando o auge do calor já terá passado no hemisfério Norte.

Em entrevista ao jornal Corriere della Sera, após o anúncio, o ministro disse que superlotação e mortes nas prisões são dois problemas graves, mas sem relação entre eles. "Paradoxalmente, a superlotação é uma forma de controle. Algumas tentativas de suicídio foram impedidas por companheiros de cela. É a solidão que leva ao suicídio", disse Nordio.

Para a Associação Antigone, principal ONG que trata do tema na Itália, o anúncio da ida de 10 mil presos para medidas alternativas é uma resposta à pressão mediática das últimas semanas que não traz novidades. "Pode ser que acelere um pouco a concessão de alguma medida alternativa, mas não será a solução. As medidas alternativas existem há décadas, tudo o que o ministro disse que fará já podia ter sido feito", disse à Folha Susanna Marietti, coordenadora nacional.

Marietti é taxativa sobre o que deveria ser feito para aliviar as prisões italianas: "Prender menos". "O cárcere deve ser usado para situações realmente graves, não para problemas ligados a quem não tem casa ou é dependente químico. As vagas nas prisões são suficientes, não é esse o problema", afirma.

Na última terça-feira (22), o governo anunciou que também vai investir na reestruturação de presídios, com o objetivo de abrir mais 15 mil vagas nos próximos anos, e apresentar um projeto de lei para que condenados que sejam dependentes químicos cumpram a pena em casas de recuperação, em vez de penitenciárias.

Com 51,3 mil vagas oficiais, as 190 prisões da Itália contêm 62,7 mil pessoas, número que vem subindo desde a pandemia do Covid-19, com alta de 17% desde 2020. Do total de detentos, 31,6% são estrangeiros –em toda a população, esse percentual é de 9%.

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Na União Europeia, a Itália é o terceiro país, atrás de Chipre e França, com a pior taxa de superlotação, medida em 119% em 2023, último ano em que a comparação foi publicada pelo Eurostat, instituto de estatísticas do bloco. Atualmente, a superlotação está em 122% no país.

Ainda que tenham outras causas além das condições precárias das prisões, como problemas psiquiátricos e de dependência química, os suicídios bateram recorde em 2024, com 91 casos, a cifra mais alta desde que o levantamento começou a ser feito, em 1992, pela associação Ristretti Orizzonti.

O quadro nas penitenciárias italianas passou a mudar a partir dos anos 2000, depois de ondas de aumento de detentos ligadas a crimes políticos nos anos 1970 e 1980 e a atentados mafiosos, na década de 1990. "No novo milênio, começou a grande internação em massa de todas as formas de pobreza e marginalidade social", afirma Marietti.

Em 2006, o Parlamento italiano aprovou um indulto que liberou da prisão mais de 20 mil pessoas. A medida tem sido descartada pelo ministro Nordio, que é filiado ao partido da premiê Giorgia Meloni.

Desde que assumiu, em 2022, o governo Meloni prioriza um discurso linha-dura na segurança pública, o que resulta, segundo a Associação Antigone, em mais gente encarcerada. Em junho, foi aprovado definitivamente um decreto que introduziu 14 novos crimes e 9 agravantes de penas. Um deles pune com até cinco anos de prisão quem participa de rebelião dentro do cárcere.

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