Comunidades do rio Arapiuns preservam cultura e espiritualidade tradicionais

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Em tupi-guarani, Pará significa rio-mar. Uma das formas de entender esse significado na prática é fazer o trajeto de Alter do Chão até a costa do rio Arapiuns, um afluente do Tapajós. A sensação de navegar por essas águas (que chegam a ter 20 km entre uma margem e outra) é, de fato, a mesmo a de navegar em alto-mar —ou, no caso, em alto-rio.

É um caminho mais cansativo do que os trajetos pelo Tapajós. A travessia dura cerca de uma hora e meia de lancha rápida e, a depender das condições do vento, enfrenta ondas pequenas, mas fortes o suficiente para dar um friozinho na barriga e render bons banhos involuntários. Por isso, recomenda-se viajar com roupas que secam rápido (o calor paraense ajuda), e é comum os barqueiros oferecerem sacos para proteger os pertences dos passageiros.

Chegar às comunidades do Arapiuns, é claro, recompensa. Como o acesso é mais difícil, os pontos de visitação costumam ter um fluxo menor de turistas e os agrupamentos são mais rudimentares. A exceção é a comunidade de Coroca, já famosa —por abrigar tartarugas e pela produção artesanal de mel— e bem estruturada.

Outros locais ainda são mais resguardados, mas começam a se preparar para receber turistas. Com a aproximação da COP30, a conferência de clima da Organização das Nações Unidas, que ocorre em novembro, em Belém, elas têm investido na profissionalização de ribeirinhos para abrir novas atrações na região. O movimento é fruto de uma parceria entre a prefeitura de Santarém, as agências de turismo locais e os próprios ribeirinhos.

"A comunidade tem a iniciativa de se estabelecer como um ponto turístico e a prefeitura realiza visitas técnicas e capacitações", diz o secretário de Turismo Emanuel Leite da Silva à Folha. Segundo ele, neste ano 14 comunidades receberam visita técnica para mapeamento de atrações e orientações. Algumas delas ganharam cursos de turismo de base comunitária e aperfeiçoamento de culinária regional.

Na localidade São Marcos, por exemplo, uma cozinha e uma grande mesa foram instaladas recentemente para possibilitar a permanência de visitantes. Por lá não existe pousada, mas turistas podem passar a noite em um redário (é preciso levar a própria rede). O pernoite (R$ 20) vale a pena para quem gosta de dormir em rede, principalmente pela alvorada calma e silenciosa à beira do rio.

Tímidos e simpáticos, os ribeirinhos de São Marcos convidam os forasteiros a botar a mão na massa, ou melhor, na farinhada (R$ 300 para até três pessoas ou R$ 400 para até seis pessoas), uma oficina de produção de farinha de mandioca (um de seus meios de subsistência) também executada por outras comunidades. A farinha produzida é aquela comum no Norte brasileiro, com flocos amarelinhos mais graúdos e crocantes do que a versão consumida no Sudeste, por exemplo.

O turista se envolve em todas as etapas do processo. Primeiro, descasca e lava a mandioca brava (que, quando crua, tem ácido cianídrico, intoxicante quando ingerido, mas inofensivo na manipulação). Depois, passa os pedaços da raiz em um grande ralador —ora empurrando os pedaços contra o ralo, ora girando sua engrenagem. Uma vez ralada, a mandioca é misturada com água e coada. O coador separa os flocos do tucupi (caldo ácido e amarelo onipresente nas mesas amazônicas). E, do tucupi, decanta a tapioca. Os flocos, então, são secos e tostados em uma chapa. Fresquinha, a farinha compõe o almoço (com peixe, arroz, feijão e salada).

A comida também ganha destaque nas noites de São Marcos. Em uma praia vizinha, os ribeirinhos montam uma piracaia (R$ 250 por pessoa), que em tupi significa peixe assado, um jantar especial com o qual os povos ancestrais celebravam as boas pescas. As piracaias de hoje, é claro, são turísticas, mas têm seu charme: come-se à mesa, sobre a areia e sob a luz de tochas no entorno e o céu estrelado da Amazônia.

Na outra margem do Arapiuns, a comunidade de Arimum também começa a se abrir mais para o turismo, com bom restaurante e redário em frente a uma bela praia. Por lá, o principal atrativo é o turismo de cura. Moradoras do agrupamento, Nete e Elenira levam, de canoa, visitantes para uma área próxima, onde mantêm um rústico bangalô.

Enquanto os turistas tomam banho de rio, elas preparam o espaço para aplicar a puxada —nome que dão à massagem, que dura cerca de 40 minutos (R$ 180) e é feita com óleo de piquiá (uma espécie próxima do pequi comum no cerrado), extraído pelas próprias puxadeiras que coletam o fruto na mata local. Depois da massagem, é hora do banho de cheiro.

Em outro local, cercado pela mata, os turistas ajoelham e recebem, sobre a cabeça, a infusão feita de diversas ervas. A receita exata é segredo, mas é possível identificar algumas das ervas pelo aroma. Tomado o banho, basta deixar a água no corpo por alguns minutos e lavar-se no rio —que, reza a lenda, cura também.

A partir deste mês, ao menos outras três novas comunidades estarão prontas para receber pequenos grupos de turistas —Maripá (à margem esquerda do rio Tapajós), Tucumã (à margem direita do rio Arapiuns) e Vila Gorete (à margem esquerda do rio Arapiuns).

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