Às vezes a gente tem dificuldade de projetar o que vai ser a tal "economia lunar" –como empresas vão criar novos negócios com a crescente onda de missões robóticas e tripuladas à Lua. Felizmente as companhias envolvidas nisso não têm essa falta de imaginação. Exemplo: a americana Firefly Aerospace acaba de anunciar que vai desenvolver e oferecer a governos e empresas um serviço comercial de imageamento lunar.
Chamado de Ocula, ele será viabilizado por uma rede de pequenos satélites desenvolvidos pela Firefly e colocados em órbita lunar baixa. Se alguém duvida da competência da empresa, ela foi a primeira, dentre várias concorrentes, a realizar uma alunissagem 100% bem-sucedida, com seu módulo Blue Ghost, que desceu na Lua em março último.
Outras duas missões Blue Ghost já estão no cronograma da companhia. A segunda deve voar no ano que vem e levará, além do módulo de pouso, o primeiro satélite Elytra a operar em órbita lunar, portando carga útil do Ocula. A terceira, marcada para 2028, também levará um Elytra. A ideia é construir, aos poucos, uma constelação de satélites de imageamento ao redor da Lua.
Certo, mas um serviço comercial precisa de clientes. Quem pode querer imagens recorrentes da superfície lunar? A Nasa deve entrar na frente dessa fila. A agência lida com o fato de que o seu atual imageador, o Lunar Reconnaissance Orbiter, não é mais um mocinho. Operando desde 2009, ele segue sendo a principal fonte de imagens orbitais de alta resolução da Lua. Terá de ser substituído em algum momento.
Hoje, o LRO oferece resolução de 50 centímetros por pixel. O Ocula, com seus satélites orbitando a 50 km de altitude, oferecerá mais: 20 centímetros por pixel. Isso permitirá, por exemplo, tirar fotos ainda mais detalhadas dos sítios de pouso das antigas missões Apollo (os teóricos da conspiração piram).
Tem mais: os satélites, equipados com telescópios desenvolvidos pelo Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos EUA, serão excelentes para o mapeamento mineralógico da superfície lunar. Governos e companhias com desejo de explorar recursos naturais por lá terão muito interesse nesses dados. Um dos minerais que poderão ser detectados é a ilmenita, associada à presença de hélio-3 –isótopo que é meio que o Santo Graal dos combustíveis para futuras usinas de fusão nuclear, que prometem gerar energia limpa usando o mesmo método que faz o Sol brilhar.
Ainda não existem usinas assim, mas a tecnologia segue amadurecendo, e o mundo precisa de mais alternativas limpas para acabar com sua dependência dos combustíveis fósseis. Quanto mais, melhor.
Esse é o contexto que faz com que a Firefly acredite que um sistema comercial de imageamento lunar possa gerar lucro para a companhia, não só com clientes civis, mas também de defesa. "O Ocula vai fornecer dados críticos que informarão futuras missões humanas e robóticas e apoiarão a segurança nacional com inteligência, vigilância e reconhecimento", disse em nota Jason Kim, executivo-chefe da empresa, indicando que o sistema também poderá vigiar espaçonaves de qualquer origem no entorno da Lua.
É aquela coisa: aplicações como essa podem demorar um pouco a amadurecer e encontrar sua demanda. Mas a ampliação do acesso ao espaço, com o barateamento dos lançamentos, torna virtualmente inevitável essa e outras oportunidades, que tendem a ser cada vez mais frequentes e inovadoras no futuro.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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