Assustados com a decisão do presidente americano Donald Trump de sobretaxar os produtos brasileiros em 50%, empresários de diversos setores sugerem que o governo Lula (PT) busque ajuda no setor privado para costurar um consenso diplomático e que tenha cuidado para não escalar a polarização política.
Na quinta-feira (10), o presidente disse que criaria um comitê composto por empresários para acompanhar a questão tarifária entre os dois países, e que as medidas diplomáticas seriam tomadas pelo Itamaraty.
Em conversas reservadas, empresários ressalvam que Lula se isolou e tem feito pouco contato com o empresariado, diferentemente do diálogo que costumava promover em seus dois mandatos anteriores.
Na sexta (11), Trump disse que não pretende conversar com Lula agora sobre as taxas, mas talvez em outro momento, enquanto o petista afirmou que vai tentar brigar em todas as esferas –citando OMC (Organização Mundial do Comércio) e Brics (grupo que reúne economias emergentes)– para que não venha a taxação.
Uma postura diplomática em oposição aos Estados Unidos poderia custar ainda mais caro, segundo representantes do setor privado. A reportagem ouviu de alguns empresários a avaliação de que a pessoa ideal para conduzir as negociações não seria o próprio Lula nem o assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, e que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, talvez enfrente também dificuldade.
Outros defendem que o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), teria condições de dialogar. Haveria ainda a alternativa de convocar alguém do setor privado, um grande empresário, um ex-político ou um ex-diplomata de relevância e prestígio.
"A hora é de avaliar bem nossos próximos movimentos. A tarifa só entra em vigor no dia 1º de agosto. Políticos, empresários e diplomatas podem ajudar a construir um caminho", disse Fábio Barbosa, presidente do conselho de administração da Natura Cosméticos S.A..
Para o banqueiro Ricardo Lacerda, fundador do BR Partners, até agora, a reação do presidente Lula foi bastante ponderada.
"Não é correto misturar assuntos de eventuais abusos do STF [Supremo Tribunal Federal] com tarifas que prejudicam nossos interesses comerciais. É lamentável que grupos políticos estejam investindo na polarização contra os interesses do povo brasileiro", afirma Lacerda.
O ingrediente político entrou no caso desde o anúncio da sobretaxa, na quarta-feira (9), quando Trump publicou nas redes sociais uma carta endereçada a Lula citando o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O petista chamou a carta de afronta e afirmou que a primeira tentativa é negociar as tarifas, no entanto, se isso não funcionar, será colocada em prática a reciprocidade.
Rogelio Golfarb, sócio da Zag Work Consultoria, que foi presidente da associação de montadoras Anfavea e dirigiu a Ford na América do Sul, alerta que haverá dificuldade de avançar sempre que as questões comerciais se contaminarem pelo viés político brasileiro.
"O caminho passa por um jogo de xadrez de diplomacia muito bem construído, no qual o Brasil não se mostre subserviente, mas ao mesmo tempo deixe portas abertas para a negociação, sem explodir as pontes por onde passa. É uma tarefa de gente muito capaz da área da diplomacia para construir esse caminho", afirma Golfarb.
No cálculo do tamanho do estrago, os prejuízos já são inevitáveis, na opinião de Horácio Lafer Piva, membro de conselhos como Klabin e Iedi (Instituto de Estudos Industriais).
"Me parece tudo tão bizarro em forma e conteúdo, que somente resta manter alguma serenidade e dar alguns dias para avaliar custos financeiros e riscos políticos. O fato aconteceu, e haverá um preço, mesmo que a conversa fique menos raivosa. Trump e aqueles que o provocaram estabeleceram novo patamar de relacionamento e desconfiança. Mais pedras no nosso caminho", afirma Piva.
Nos últimos dias, Lula e aliados têm associado as consequências econômicas do tarifaço a Bolsonaro e a outras lideranças da oposição, inclusive ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado do ex-presidente.
Cotado como candidato para as eleições presidenciais de 2026, Tarcísio, por sua vez, tenta se colocar como um possível negociador para lidar com Trump. O governador, que tem sido tratado como preferido do empresariado para disputar o pleito do ano que vem, fez abordagens com ministros do STF e com o chefe da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar.
Um dos que veem Alckmin como um possível condutor da articulação entre o setor produtivo e o governo norte-americano para o caso do tarifaço, João Camargo, presidente do conselho do grupo de empresários Esfera Brasil, pede responsabilidade e diálogo no enfrentamento do problema.
"O momento exige diplomacia, firmeza e clareza. Precisamos buscar um acordo que proteja os interesses do Brasil sem comprometer a boa relação com os Estados Unidos. Não podemos cair na armadilha do confronto. É pelo diálogo estratégico que vamos garantir previsibilidade, competitividade e segurança jurídica para os nossos exportadores", afirma Camargo.
Para Alexandre Ostrowiecki, presidente do conselho de administração da Multilaser, "a melhor postura do governo seria buscar uma reaproximação com os Estados Unidos, reduzindo tarifas que prejudicam ambas as economias".