Governo Zema propõe aumentar em 8.000% número de escolas cívico-militares em MG

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O governo Romeu Zema (Novo) propôs uma consulta a 728 escolas de Minas Gerais para transformá-las em instituições cívico-militares.

O estado hoje possui nove escolas no programa, e a proposta do governo é aumentar esse contingente em aproximadamente 8.000%. Ao todo, Minas possui cerca de 3.400 escolas na rede estadual de ensino, que atende 1,6 milhão de estudantes.

O levantamento que começou dia 30 de junho estava sendo feito a partir de votação em cada unidade de ensino envolvendo profissionais (diretores e professores), pais e alunos.

A consulta iria até esta sexta-feira (18), mas o governo decidiu interromper o processo temporariamente e apontou como motivo as férias escolares.

"Muitos pais não iam conseguir participar, pois já tinham programado viagens. Acreditamos muito nesse projeto e estamos fazendo ele ser totalmente democrático", disse o governador em entrevista coletiva na última segunda-feira (14).

Ele não confirmou a data para a retomada das consultas, mas a expectativa no governo é que elas retornem em agosto, após o fim das férias escolares.

O Sind-UTE/MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) vê a decisão como um recuo provisório do governo após o resultado negativo da votação nas escolas.

"A gente percebe que esse programa tem um aceno eleitoral. É como se a escola pudesse se transformar num local a ser disputado", diz Marcelle Amador, coordenadora de comunicação do Sind-UTE.

A secretaria de educação afirmou que, até a interrupção do processo, 15% das 728 escolas já haviam feito a votação.

O chefe da pasta, Igor Alvarenga, não quis divulgar o resultado parcial com o argumento de que os números poderiam influenciar a opinião das outras comunidades escolares.

A Folha teve acesso ao resultado da votação na Escola Estadual Governador Milton Campos, em Belo Horizonte, também conhecida como Estadual Central.

A comunidade rejeitou o modelo cívico-militar com 85% dos votos –tanto os profissionais quanto os alunos foram, em sua maioria, contra a mudança.

Pela instituição já passaram personalidades como a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o médico, ex-jogador e colunista da Folha Tostão e o cartunista Henfil.

"Todas as comunidades escolares que fizeram as assembleias antes desse período [de interrupção] serão respeitadas", afirmou Alvarenga na última segunda.

No dia seguinte à entrevista, o secretário foi chamado para uma reunião com o vice-governador, Mateus Simões (Novo), e foi avisado que não seguirá à frente da pasta, conforme apurou a Folha.

A expectativa é que, apesar da iminente troca do nome à frente da gestão educacional do estado, as consultas sejam retomadas.

No modelo de escola cívico-militar, o conteúdo pedagógico segue sendo ministrado pelos professores.

Cabe aos militares da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros a "mediação de conflitos, apoio à gestão, desenvolvimento de atividades preventivas e promoção de valores como respeito, disciplina e responsabilidade", segundo a secretaria.

Questionada sobre o critério para a escolha das 728 entre o universo de 3.400 instituições, a pasta afirmou que envolveu fatores como unidades inseridas em comunidades de maior vulnerabilidade social e municípios com mais de 25 mil habitantes.

Em relação à fonte dos recursos, a gestão disse que será definida após o encerramento da fase consultiva

Para a professora do departamento de Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Analise da Silva, a presença de militares nas escolas pode servir como uma forma de intimidação para o desempenho pedagógico dos professores.

Ela também questiona a falta de preparação dos agentes para o ambiente escolar.

"É como se eu, professora há 47 anos, me aposentasse e recebesse um treinamento de algumas horas para atuar na segurança pública. E receberia [um salário maior] do que os policiais, que fazem treinamento constante para atuar com isso", afirma a professora, que também deu aulas na educação básica.

A secretaria de Educação usa como justificativa para a adoção do programa a melhora de indicadores das unidades que já estão sob o modelo.

A pasta cita evolução no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e queda na taxa de abandono escolar desde a adoção do modelo cívico-militar nas escolas.

O professor do departamento de Economia da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), Jevuks Araújo, buscou compreender a influência dos modelos cívico-militares na melhora dos indicadores de escolas em Goiás, um dos primeiros estados a adotarem o programa. Os dados compreendem um período de 2007 a 2020.

Em artigo publicado em maio na revista International Journal of Educational Development, ele e outros autores afirmam que os resultados indicam que a militarização levou a um aumento nas notas de matemática, português e no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

O modelo também levou a uma redução na distorção idade-série –indicador que mede a defasagem entre a idade dos alunos e a série que eles cursam.

Para avaliar o impacto exclusivo do programa, os pesquisadores compararam as escolas cívico-militares com os pares no estado que têm a maior similaridade em relação a estrutura, número de alunos por sala, perfil dos estudantes e qualificação dos professores, entre outros fatores.

A pesquisa também examinou o impacto da militarização em variáveis relacionadas à violência escolar.

"Os diretores [das escolas cívico-militares] percebem uma redução significativa na violência contra profissionais da escola, na ocorrência de roubos e na percepção de estudantes que usam bebidas alcoólicas", afirmou o professor à Folha.

"Os resultados nos levam a entender que o principal mecanismo é de fato esse impacto na redução da violência no ambiente escolar", completou Araújo, que é pesquisador de economia da educação.

Ele afirmou, porém, que o modelo cívico-militar deve ser tratado como uma opção dentro do conjunto de políticas públicas da área de educação.

"Ele não pode ser considerado como um programa exclusivo, uma panaceia, mas sim um programa adicional que demonstra ter bons resultados".

Já Analise da Silva, da UFMG, disse que as escolas não são uma ilha, e refletem a insegurança que há na sociedade.

"A proposta do governo de Minas está sendo feita para crianças e adolescentes pobres, pretos, de periferia, das classes econômicas C e D. E isso dá um recado [à sociedade] de que estudante pobre e de periferia é caso de polícia", afirmou a professora.

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