O Brasil perde pelo menos R$ 200 bilhões em impostos com o sistema de tributação sobre o lucro das empresas. É o que aponta o estudo "Ineficiências e iniquidades do Imposto de Renda: da agenda negligenciada para a próxima etapa da reforma tributária", realizado pelo economista Sérgio Gobetti no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e divulgado nesta quinta-feira (10).
O pesquisador já foi secretário-adjunto de Política Fiscal do Ministério da Fazenda. Ele propõe alternativas para a reforma do modelo de tributação da renda no Brasil, para fortalecer o princípio da progressividade, no qual pessoas com maior renda devem pagar mais impostos, alcançando a distribuição de lucros empresariais.
O estudo analisa os três regimes de tributação sobre lucro de empresas no país (Simples Nacional, lucro presumido e lucro real).
Gobetti recomenda uma redução da alíquota nominal do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) de 34% para 25% e também de benefícios e regimes diferenciados para empresas não financeiras, como já realizado pela maioria dos países-membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) ao longos das últimas duas décadas.
"Uma alíquota mais baixa e uniformemente aplicada ou com menos exceções e discrepâncias do que temos hoje seria extremamente positiva para a competitividade da economia brasileira", afirma o pesquisador.
As mudanças incluem também limitar a dedução de JCP (Juros sobre Capital Próprio) da base de cálculo do lucro tributável. A perda de receita pela União é de cerca de R$ 24 bilhões com esse mecanismo.
Segundo Gobetti, o JCP foi idealizado como forma de conferir maior neutralidade às decisões de investimento das empresas, mas os países europeus que também adotavam esse mecanismo constataram que ele estava sendo muito custoso e não produziu os efeitos esperados. "Por isso, esses países limitaram seu escopo, com os juros calculados apenas sobre novos investimentos e não sobre todo o capital social das empresas", explica.
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DISTORÇÕES NO LUCRO REAL E PRESUMIDO
No caso do lucro real, com base em dados da Receita Federal entre 2016 e 2021, a apuração de IRPJ/CSLL para empresas não financeiras teve redução média de 10 pontos percentuais em relação à alíquota padrão somada de 34%.
Dois fatores explicam isso: os benefícios fiscais, que fazem o lucro real cair em relação ao contábil, e os ajustes por adições, exclusões e compensações previstos na legislação tributária, explica o pesquisador.
Somente em 2019, o governo federal teria perdido R$ 46 bilhões, valor que pode ter chegado a R$ 100 bilhões nos dois anos seguintes.
O autor alerta para manobras de grupos empresariais com diferentes CNPJ, que registram o máximo de custos em diferentes unidades em operações de lucro contábil tanto com subsidiárias sob lucro real e presumido.
O mecanismo, segundo Gobetti, é reproduzido entre famílias produtoras rurais, com custos declarados em livro-caixa para beneficiar a pessoa física que recolhe IRPJ enquanto contabiliza a receita no CPF. Com isso, é possível reduzir o imposto efetivamente pago a 20% do que é devido.
O pesquisador apresenta simulações de medidas para diminuir perdas fiscais. Entre elas, o aumento do percentual da presunção de receita na base de cálculo do lucro presumido de 8% para 12% no IRPF, equiparando à alíquota da CSLL. Ele argumenta que a revisão já foi realizada por 31 países da OCDE entre 2003 e 2023.
A equiparação de alíquotas poderia incrementar a arrecadação federal em R$ 20 bilhões por ano. "Afinal, não há qualquer lógica para que as bases de cálculo dos dois tributos, referenciadas no lucro, sejam tão diferentes", defende.
Segundo ele, os ajustes poderiam ocorrer no âmbito da reforma da renda promovida pelo Ministério da Fazenda e enviada ao Congresso Nacional de forma fatiada.
"A reforma da tributação da renda no Brasil enfrenta, tanto pelo lado das empresas quanto das pessoas físicas, o desafio de aprimorar simultaneamente a eficiência e a equidade do nosso sistema tributário", afirma.
"Diante do acúmulo de distorções encontradas nesse regime, que geram tanto injustiça e iniquidades quanto condutas e estímulos ineficientes do ponto de vista econômico, esses dois objetivos, embora aparentemente contraditórios, se tornam perfeitamente complementares."
DIVIDENDOS
Ele afirma que a retomada da tributação dos dividendos, simultaneamente à redução de IRPJ/CSLL, pode proporcionar mais competitividade à economia brasileira e maior progressividade ao Imposto de Renda, ao transferir o foco da empresa para o acionista.
Uma das possibilidade é adotar um modelo de tributação ampla, no qual todas as rendas sejam igualmente submetidas a uma tabela progressiva de alíquotas e, ao mesmo tempo, seja inserido um sistema de compensação do imposto já pago no nível das empresas.
Outra possibilidade é a manutenção de um sistema de tributação diferenciado para lucros e dividendos em que a soma das alíquotas incidentes no nível empresarial (25%, por exemplo) e no nível pessoal (15% a 20%, por exemplo) seja próxima à alíquota máxima do Imposto de Renda Pessoa Física aplicável às rendas do trabalho (35% a 40%).