Uma das medidas anunciadas por alguns estados para ajudar empresas exportadoras diante do iminente tarifaço dos Estados Unidos é a liberação de créditos de ICMS, assunto indigesto para quem não é da área tributária. Não se trata de favor.
Há décadas, os governadores têm dificultado o acesso a esses créditos. Os valores muitas vezes só são liberados após decisão judicial, sem que haja correção pela inflação.
Em primeiro lugar, é necessário entender por que as exportações são desoneradas. Quando um produto é exportado, o tributo sobre o consumo é cobrado no país de destino. Um bem europeu ou da China sai de lá sem esse imposto e vai ser tributado pelo ICMS quando chega no Brasil.
O mesmo deveria ocorrer no sentido contrário, para que não haja dupla tributação, pois o produto brasileiro vai pagar o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) da União Europeia ou o imposto de varejo (retail sales tax) estadual nos Estados Unidos —o tributo americano também prejudica as exportações deles, mas esse é assunto de outra coluna.
A desoneração da exportação é feita por meio da "devolução" do tributo recolhido ao longo do processo de produção. A última etapa (venda ao exterior) não é tributada, mas houve pagamento de imposto sobre insumos e transporte, por exemplo.
Uma legislação federal (Lei Kandir, de 1996) diz que essa desoneração do ICMS é feita por meio de um crédito, que pode ser usado para compensar o imposto a ser recolhido em outra operação ou transferido a outros contribuintes do mesmo estado. É nesse ponto que começam os problemas.
Os estados também possuem leis próprias que tratam da questão, muitas vezes em desacordo com a lei federal e a Constituição.
Um estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) de 2018 mostrou que os estados que mais exportam impõem diversas restrições ao uso desses créditos.
Entre elas, limitação de valor, restrição para transferência a terceiros e exigência de que não haja pendência tributária, mesmo com cobrança suspensa pela Justiça.
Também vedam compensação com outras categorias do mesmo tributo, como ICMS de importação, substituição tributária ou diferencial de alíquota de outro estado.
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Com essas restrições, uma empresa que só realiza exportações não tem como aproveitar os créditos. Sem perspectiva de recuperar o ICMS sobre insumos, acaba incorporando o valor ao produto exportado. A CNI estima que o produto exportado possui um resíduo tributário de 10%, considerando também tributos federais e municipais.
Não há um número oficial sobre o valor dos créditos acumulados, um problema que se estende também a operações dentro do país. Estudos apontam um passivo que supera R$ 50 bilhões e que irá crescer até a extinção total do ICMS pela reforma tributária, em 2033. O novo sistema garante o crédito imediato e coloca prazos para ressarcimento em dinheiro, com correção do valor.
Um dos motivos para a imposição de restrições é que muitos créditos se referem ao ICMS recolhido em outros estados durante o processo de produção ou são benefícios relacionados à guerra fiscal, concedidos por outros entes. Os repasses da União para compensar essa desoneração, previstos com temporários pela lei original, também foram tema de controvérsia por muitos anos.
A liberação desse recurso para as empresas neste momento, como anunciado por São Paulo e Goiás recentemente, é positiva, mas está longe de resolver um problema que reduz a competitividade do produto brasileiro no exterior.