Líderes globais discutem novas estratégias para combate às drogas em conferência internacional

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Juan Manuel Santos tem os olhos voltados para dois conflitos que se relacionam. Na Colômbia, a violência voltou a fazer parte das campanhas políticas: o pré-candidato à Presidência Miguel Uribe Turbay foi alvejado no início de junho e está em estado grave. No exterior, Santos milita pela descriminalização do consumo e o fim da guerra às drogas, que considera uma batalha perdida.

Os dois conflitos se entrelaçam: a violência voltou à crônica política de seu país devido à disputa pelo poder entre grupos criminosos, os maiores interessados na guerra às drogas em função da valorização que ela gera para os produtos proibidos.

Ex-presidente da Colômbia, Santos ganhou o Nobel da Paz por ter realizado o acordo que pôs fim à guerra civil com a guerrilha de esquerda Farc, um conflito que durou cerca de 50 anos. Venceu a oposição de setores conservadores que se opunham ao entendimento. Desde que deixou o cargo, trabalha para vencer a resistência, dessa vez, dos conservadores que defendem a manutenção da criminalização do consumo de maconha, cocaína, heroína e uma lista cada vez mais longa de novas drogas sintéticas.

Ele esteve em Londres para eventos promovidos pela Comissão Global sobre Políticas para as Drogas, que foi fundada em 2011 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e outras 25 personalidades, como políticos e líderes sociais, ex-presidentes, primeiros-ministros e ex-ministros de governos, chefes de agências da ONU, intelectuais e empresários como o britânico Richard Branson.

Santos participou de uma conferência na Chatham House, tradicional centro de estudos britânico dedicado a geopolítica, ao lado da ex-alta comissária de direitos humanos da ONU, a canadense Louise Arbour, e do ex-presidente do México Ernesto Zedillo, considerado "o pai da moderna democracia mexicana".

Durante a conferência, Santos comentou que, como ministro da Defesa e depois presidente de seu país, "combateu os cartéis e a produção de drogas com todos os recursos".

"Despejei mais herbicida em plantações de coca do que qualquer outro país no mundo. Erradicamos à força mais hectares, assinei 1.452 extradições de líderes do narcotráfico para os Estados Unidos. Tudo a um custo muito alto, porque a erradicação forçada enfrentava atiradores ou bombas colocadas nas plantações", afirmou o ex-presidente.

"E no final daquelas operações de despejo, erradicação forçada, traficantes extraditados e... em termos de produção, estávamos na mesma posição. Eu senti como numa bicicleta ergométrica: pedalando, pedalando, pedalando sem sair do lugar."

No mesmo sentido, Fernando Henrique Cardoso disse no filme "Quebrando o Tabu" (2011), do diretor Fernando Grostein, que se convenceu da necessidade de mudar a estratégia de combate às drogas ilegais depois que saiu do governo com a sensação de enxugar gelo.

"No gabinete, o político tem que responder à dinâmica da pressão popular. O que tem que mudar é a conscientização das pessoas porque elas votam no político, e o político responde em função disso. E, infelizmente, as pessoas respondem mais a impulsos primitivos do tipo inimigos comuns, ódio e declaração de guerra. Então, parece à primeira vista que declarar guerra às drogas vai resolver o problema", afirma Grostein, destacando que o debate é uma "batalha de comunicação".

A Comissão Global tem buscado explorar uma janela de oportunidade aberta pelas Nações Unidas para o debate sobre novas estratégias de combate às substâncias ilícitas: uma resolução da Comissão da ONU para Narcóticos estabeleceu um painel para discussão da política de drogas e o caminho a seguir até 2029. Santos diz que esse fórum pode abrir caminhos, mas ele é cético.

Cercanías

A newsletter da Folha sobre América Latina, editada pela historiadora e jornalista Sylvia Colombo

O ex-presidente diz que, em 2011, havia um consenso entre governos da América Latina e dos Estados Unidos (sob presidente Obama) em torno da necessidade de mudar o enfoque criminalista do combate ao consumo, mas desde então a polarização da política internacional se refletiu também nessa discussão.

O evento em Londres ocorreu poucos dias depois da divulgação do relatório anual da Escritório da ONU para Drogas e Crime (UNODC, a sigla em inglês), com dados que apontam o crescimento dos números de produção e consumo de drogas e o surgimento de novas substâncias, o retrato de uma "batalha perdida", como dizem os defensores da descriminalização.

A ex-comissária de direitos humanos da ONU, Louise Arbour, destacou o aspecto ideológico dos números do relatório do UNODC, que tinham sido relatados pela apresentadora na abertura do evento, ao confrontá-los com dados sobre o mesmo tema divulgados pela OMS.

"De acordo com a OMS, sete milhões de pessoas morrem todos os anos por causa do uso de tabaco, mais 1,2 milhão por exposição secundária ao tabaco; e 2,6 milhões morrem por consumo de álcool; meio milhão de pessoas morrem por, como o UNODC chama, ‘outras drogas’; e zero por cannabis", disse.

"Ainda segundo o UNODC, existem 316 milhões de pessoas que consomem drogas. Desses, 244 milhões usam cannabis, aquela coisa de que você não morre. Apenas 64 de 316 milhões têm o que o UNODC chamou de transtorno por uso de drogas. Então, cerca de 250 milhões que consomem principalmente cannabis não têm transtornos. Qual é o problema dessas pessoas com drogas? Há apenas um problema, a ilegalidade. Não há outro problema", acrescentou.

Outra comissária, Ruth Dreifuss, primeira mulher presidente da Suíça (1993-2002), destaca o fato de que a "guerra às drogas" nasceu nos Estados Unidos apesar da experiência que o país teve, e superou, da tentativa de proibir o consumo de álcool, com a Lei Seca, de 1920 a 1933.

A proibição gerou máfias violentas e contrabando, até que na crise dos anos 1930, o presidente Franklin Roosevelt descriminalizou e passou a cobrar impostos sobre o álcool. Ela atribui a repetição do método, aplicado a outras drogas, a uma questão racial e segregacionista: "Foi uma forma de combater os jovens, contrários à Guerra do Vietnã, e os negros dos movimentos por direitos civis".

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