Livros da Fuvest: 'Nebulosas' exalta a liberdade e questiona opressões; conheça

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Narcisa Amália tinha apenas 20 anos quando lançou "Nebulosas", coletânea de 44 poemas que recebeu elogios de figuras ilustres como o escritor Machado de Assis e o imperador dom Pedro 2º —que até quis conhecer a autora pessoalmente.

Apesar disso, ela nunca mais publicou outro livro, e a obra, de 1872, caiu no esquecimento: só foi ter uma segunda edição em 2017, 145 anos depois.

Neste ano, a Fuvest trouxe visibilidade ao legado da escritora, incluindo "Nebulosas" em sua lista de leituras obrigatórias para o vestibular de 2026.

"No seio majestoso do infinito,

— Alvos cisnes do mar da imensidade, —

Flutuam tênues sombras fugitivas

Que a multidão supõe densas caligens,

E a ciência reduz a grupos válidos" — trecho do livro 'Nebulosas'

A seguir, saiba mais sobre a escritora e a obra.

QUEM É A AUTORA

Nascida em São João da Barra (RJ), Narcisa Amália (1852-1924) era filha de professores e teve uma formação intelectual refinada. Além de escritora e tradutora, é considerada a primeira mulher jornalista profissional no Brasil, com artigos em publicações nacionais e de Portugal, nos quais manifestava sua opinião política.

Declaradamente contrária ao machismo e ao patriarcalismo, Amália também foi transgressora na vida pessoal, tendo se casado e divorciado duas vezes, o que era incomum no século 19.

"Esse posicionamento fez dela alvo de preconceito social, intelectual e de gênero", afirma Marise Hansen, poeta e doutora em literatura brasileira.

Hansen, que prepara uma edição comentada de "Nebulosas" para a coleção Clássicos Ateliê, conta que a autora foi vítima do que hoje chamamos de "fake news": correu o boato de que não teria sido ela, e sim um homem, o autor do livro.

O QUE É IMPORTANTE SABER SOBRE O LIVRO

Movimento literário

"Nebulosas" se insere no contexto do romantismo brasileiro, já em fase de maturidade, e é uma síntese das características do movimento, englobando elementos das três gerações românticas, de acordo com Paulo Oliveira, professor de literatura do curso Anglo.

"Observam-se traços do nacionalismo da primeira geração, a idealização da infância e da morte, típicas da segunda, e o engajamento político da terceira geração, evidenciado na postura abolicionista, republicana e, em certa medida, feminista da autora", explica.

Marise Hansen aponta que "Nebulosas" traz uma das principais linhas de força do romantismo: a valorização da liberdade, tanto no âmbito do indivíduo quanto no da pátria.

"O próprio poema que inaugura o livro e lhe dá o título trata da alma sofrida que se liberta do corpo, vai a dimensões transcendentais e cósmicas —plano das nebulosas— e volta imbuída de inspiração para a poesia", explica.

Ela acrescenta que os versos apresentam subjetividade, melancolia e gosto pela noite e pela solidão, típicos do romantismo, mas não expressam o sofrimento por amor, tão recorrente nessa estética.

Estilo

Como autora romântica, Narcisa Amália explorava a função emotiva ou expressiva da linguagem, centrando sua escrita no eu lírico e na manifestação de sentimentos. Seus poemas, compostos em métrica e rima, se caracterizam pela profusão de adjetivos e pela riqueza vocabular.

A escritora recorre a antíteses, metáforas, hipérboles, apóstrofes e imagens grandiosas, ao estilo condoreiro —cujo representante mais conhecido é o poeta Castro Alves, a quem ela dedica um poema do livro ("Ao Poeta Morto").

Poesia social e política

Conhecida como a "poeta dos livres", Narcisa Amália manifesta em "Nebulosas", assim como em seus artigos de jornal, um posicionamento liberal, contrário a autoritarismos, à monarquia, à escravatura e às diversas formas de opressão.

Em "Vinte e Cinco de Março" ela critica o caráter de dom Pedro 1º. Já "Invocação" trata do silenciamento imposto ao sexo feminino.

O alinhamento da autora com a vertente abolicionista é evidenciado em "O Africano e o Poeta", que aborda a solidariedade com o sofrimento dos escravizados e o papel da poesia na luta contra essa forma de dominação.

A dimensão da natureza

A exaltação ao bucólico, típica do romantismo, aparece em poemas dedicados ao pico do Itatiaia e a Resende, cidade para onde Amália se mudou na infância.

"A natureza é retratada tanto como refúgio e consolo para as aflições do eu lírico, como em ’O Hermo’, quanto como expressão do nacionalismo e da beleza brasileira, como em ’O Itatiaia’", afirma Oliveira, do Anglo.

Os afetos familiares

Em poemas como "Saudades", a autora demonstra devoção à família e idealiza a infância.

A figura materna aparece como símbolo de amor incondicional, sofrimento velado e ausência irreparável, o que reflete tanto experiências pessoais de Amália, que perdeu a mãe ainda jovem, quanto uma crítica ao lugar de sacrifício reservado às mulheres naquele período.


SÉRIE ABORDA OS LIVROS DO VESTIBULAR 2026 DA FUVEST

Este é o quarto de uma série de textos que abordam a lista de livros do vestibular da USP deste ano. Pela primeira vez, a Fuvest selecionou obras só de escritoras mulheres. A cada semana, uma obra é tema de reportagem que explica a trajetória da autora e os principais pontos que podem ser cobrados na prova.

Os textos fazem parte do projeto Folha Estudantes, criado para ajudar jovens na preparação para o Enem e outros vestibulares. A Folha oferece assinatura gratuita para estudantes que se inscreverem no Enem; clique aqui para saber mais.

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