Freud chega ao final de sua obra se dizendo incapaz de decifrar o enigma da sexualidade feminina. Com essa constatação, ele dá a falsa impressão de que a sexualidade masculina seria clara e inteligível, interpretação que as psicanalistas feministas não tardaram a denunciar. Pensar a mulher como detentora dos mistérios insondáveis da existência e do corpo faz supor que o homem é o arauto da racionalidade e do engenho, truque antigo que serve para apartá-las do poder.
A sexualidade humana é enigmática para todo e qualquer sujeito que lida com seu corpo e com seu desejo. Sejamos homens, mulheres ou outros, ela é insondável porque as experiências e fantasias que nos moldam funcionam como uma digital, oferecendo a cada um seu próprio cine privé. Nesse sentido, a sigla LGBTQIANP+ poderia ter tantas letras quantos seres humanos há sobre a Terra. Ela é necessária, no entanto, no campo político, como forma de garantir direitos e coibir violências.
Ainda assim, cabe perguntar qual a diferença de ter nascido com pênis, com clitóris ou com ambos, como nos casos de pessoas intersexo. Como ficam as diferenças anatômicas dos sexos, cujas consequências psíquicas os psicanalistas nunca deixaram de escrutinar? Rios de tinta foram melhor ou pior empregados na formulação dessa diferença.
Enquanto os nascidos com pênis carregam espermatozoides para gerar um filho quase até o final da vida, as pessoas nascidas com útero encerram o expediente reprodutivo décadas antes. Já no plano do desempenho sexual, a experiência costuma ser invertida: o pênis deixa a desejar, digamos assim, muito antes do que a vagina. O declínio reprodutivo da mulher coincide com o declínio da potência sexual masculina.
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É curioso constatar que, no plano do discurso, a coisa se inverte, atribuindo-se ao homem uma potência sexual na velhice à qual ele pouco faz jus. Temos o exemplo da figura de George Clooney, que, aos 64 anos, segue desempenhando o papel de homem irresistível, ideal de beleza inquestionável. A atriz Julia Roberts, por sua vez, aos 57, foi achincalhada ao postar uma foto caseira com a filha, simplesmente por ter envelhecido.
Mas qual dos dois astros de Hollywood tem mais chances de precisar de ajuda farmacológica para ter um bom desempenho na cama? A sobreposição entre sexualidade e fertilidade feminina é desculpa anacrônica para o rebaixamento estético das mulheres, enquanto no homem é signo de poder. Mas quantos de nós aspiram por filhos aos 60? A questão aqui é que a experiência do corpo da mulher denuncia as bases de uma misoginia que não cansa de nos espantar: o enigma sexual da mulher é, em grande parte, o escamoteio do vexame sexual do homem.
Na mitologia grega, Tirésias, que, como Orlando de Virginia Woolf, teve uma existência como homem e como mulher, foi cegado por Hera ao revelar o segredo do prazer feminino. Segundo ele: "Se o prazer do sexo for dividido em dez partes, a mulher fica com nove".
O que talvez Freud não pudesse imaginar é que, diante do insondável da sexualidade de cada um de nós, restam os preconceitos que nos impedem de enxergar com honestidade nossas diferenças. A longevidade sexual feminina assombra desde tempos imemoriais.