Má alocação de recursos gera um ciclo vicioso em países desiguais

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Mis-alocação é termo técnico, adaptado do inglês "misallocation", que explica muitas das nossas mazelas. De forma simples, acontece quando os recursos da sociedade acabam parando nos lugares errados, sejam esses recursos financeiros, sejam produtivos, sejam até mesmo humanos.

Imagine uma sociedade onde 80% do desemprego está relacionado a um só evento: concursos públicos. Parece exagero, mas acontece. O estado de Tamil Nadu, na Índia, registrava 1,5 milhão de desempregados. Enquanto isso, 1,25 milhão estavam estudando para concurso público, desempregados por escolha (pois tinham que fazer declaração de atividade de trabalho). Como salários e regalias são muito maiores que no setor privado, milhões passam anos tentando emprego com estabilidade.

A maioria, muitas vezes com bastante educação formal, no auge da sua capacidade produtiva, está fora do mercado de trabalho. Isso é mis-alocação na sua essência, com a economia local sofrendo tanto pelo lado da oferta, com gente sem querer se oferecer para trabalhar, quanto pelo lado da demanda, pois a falta de renda suprime o consumo do país.

Esse problema não seria péssimo se aqueles que entrassem no setor público o transformassem em uma máquina de prover serviços sociais de qualidade. Também não é problema individual. Cada um deve ser livre para fazer o que quiser, mesmo que seja tentar mais de 500 mil concursos. Mas o efeito agregado é perverso.

Pior. Em países desiguais, como Índia e Brasil, isso gera um ciclo vicioso. Com carreiras públicas ganhando mais, o poder de barganha aumenta e as elites conseguem extrair mais recursos do Estado. Entre as carreiras públicas, a diferença entre as elites e não elites explode, com muitos funcionários públicos ganhando mal e alguns nadando em dinheiro.

Folha Mercado

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O nível de mis-alocação entre setor privado e público no Brasil é absurdo. E dentro do setor público também, com mis-alocação ocorrendo dentro das repartições públicas. Greenstein (2025) estima que apenas a melhor distribuição interna de funcionários do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) poderia ter evitado de 600 a 1.700 km² de desmatamento durante os dez primeiros anos do instituto. As barreiras para colocar as melhores pessoas para os respectivos papéis estavam relacionadas às decisões iniciais de concepção da agência, as restrições legais, a falta de apoio político de alto nível e os receios de uma reação negativa por parte dos funcionários.

O nosso judiciário está gerando mis-alocação na veia, com a corrida por penduricalhos e coisas do gênero. O Poder Judiciário vai continuar a bater recorde de despesas. A desculpa de que precisamos pagar muito para funcionários não serem corruptíveis é balela. É uma cópia do discurso de Singapura. Mas lá funcionários públicos têm metas claras de desempenho e se forem condenados por corrupção vão para a cadeia por anos. No Brasil, senioridade ainda conta em promoção, e aposentadoria compulsória é considerada punição extrema.

Precisamos de ajustes para que todos os funcionários, públicos e privados, tenham incentivos corretos e não tenham poder para extrair o máximo para si mesmos. Mis-alocação é um termo feio, mas enquanto não criarmos regras decentes para impedir o saque dos cofres públicos, vamos sofrer com isso. Talvez para sempre.

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