A Justiça federal brasileira suspendeu em caráter de urgência a aplicação de cláusulas nos contratos do escritório inglês Pogust Goodhead, que atualmente representa cerca de 600 mil brasileiros atingidos pela tragédia em Mariana (MG), em ação coletiva movida na corte britânica por reparações.
O Pogust moveu a ação em 2018 junto à Justiça britânica, em Londres, onde fica a sede da BHP, dona da Samarco, mineradora que também tem a Vale como sócia.
Inicialmente, o escritório disse que não cobraria nada em caso de derrota no tribunal e que só receberia honorários das indenizações que os clientes recebessem perante a Justiça. Contudo, diante do avanço de um acordo no Brasil para indenizar as vítimas do rompimento da barragem, o escritório aditou os contratos prevendo um pagamento por "danos aos advogados" e custas caso os clientes desistissem da disputa na corte inglesa.
Essas imposições foram feitas caso os afetados aceitassem o chamado Programa de Indenização Definitiva (PID), homologado pelo STF.
No entanto, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal na 13ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, a juíza Fernanda Martinez Silva Schorr determinou a suspensão dessas cláusulas do PG e outras exigências que, eventualmente, impeçam os atingidos pela catástrofe de realizarem acordos e a rescisão contratual sem justa causa, "violando o equilíbrio e a boa-fé da relação."
A magistrada julgou que todos os clientes devem ter direito a rescindir o contrato sem justa causa. Ela afirma que é compreensível a imposição de penalidades para isso, mas desde que elas sejam claras e predeterminadas, o que não foi o caso. Ela considerou que os cálculos dos valores nunca foram estimados e informados aos clientes.
Segundo Schorr, a interpretação de algumas cláusulas combinadas dos contratos permite até mesmo levar à conclusão de que, se o Pogust não for vencedor na ação, quem ficará responsável por arcar com todo o prejuízo do escritório são as vítimas, que "não possuem nenhuma ideia de quanto esses prejuízos podem representar, tendo em vista que nunca litigaram numa corte inglesa".
A juíza também barrou cláusula contratual que exclui a Justiça do Brasil das soluções de disputas originadas da relação entre o escritório inglês e as vítimas.
"Os contratos foram firmados com pessoas físicas residentes no Brasil, hipossuficientes do ponto de vista econômico, técnico e jurídico, atingidas por um dos maiores desastres socioambientais da história nacional. O serviço contratado —embora destinado a ações em jurisdição estrangeira— tem repercussão direta na esfera de direitos desses cidadãos brasileiros e afeta sua possibilidade de reparação no âmbito de programas nacionais", escreveu a magistrada na decisão.
Schorr também mandou depositar em uma conta judicial os valores referentes às cláusulas que impõem pagamento de honorários sobre valores recebidos por acordos feitos extrajudicialmente, inclusive o firmado no Brasil.
A ideia é entender se as vítimas foram efetivamente informadas sobre a incidência de honorários mesmo se elas optarem por não prosseguir com a ação ajuizada em Londres e aderirem a acordos no Brasil.
Por fim, a magistrada determinou a informação sobre essas decisões judiciais em todos os canais de comunicação do PG com seus clientes, inclusive aqueles que foram usados para a disseminação do que chamou de "desinformação" e "publicidade abusiva".
Segundo a juíza, o escritório inglês desinformou os clientes ao divulgar materiais de comunicação desaconselhando os atingidos pela tragédia a firmarem acordos no Brasil, assegurando que, com a ação em Londres, eles receberiam integralmente pelas perdas na tragédia.
Para que isso ocorra, será preciso que cada cliente comprove o dano sofrido à corte britânica após a sentença inicial do processo, o que não necessariamente ocorrerá. "Trata-se, portanto, de propaganda para se dizer no mínimo incompleta", disse a juíza na sentença.
'Ação visa silenciar as vítimas', diz Pogust
Em sua defesa no processo, o escritório inglês disse que a ação civil pública tem o objetivo de "silenciar as vítimas" da tragédia em serviço das mineradoras, ao tentar enfraquecer a ação coletiva na Inglaterra, que visa compensações mais justas.
Afirmou ainda que, embora as vítimas residam no Brasil, isso não exclui o fato de que o contrato não se formou no Brasil e que os serviços não são prestados no país, o que tira a legitimidade das autoridades brasileiras de intervirem.
O Pogust disse que os contratos foram assinados voluntariamente, com pleno conhecimento dos clientes, que as cláusulas são transparentes e que as vítimas são assistidas por advogados brasileiros. Sustentou ainda que o processo carece de interesse social qualificado, centrando-se na relação contratual entre indivíduos específicos e um escritório de advocacia estrangeiro.
A juíza, porém, considerou que o Ministério Público Federal, autor da ação, tem legitimidade para mover o processo, porque é função do órgão proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.
"No caso em tela, trata-se de contratos firmados entre pessoas físicas residentes no Brasil e um escritório estrangeiro de advocacia, em contexto de grave desastre socioambiental, o que evidentemente insere tais indivíduos em uma situação de acentuada vulnerabilidade jurídica, econômica e informacional", disse a magistrada.
O Pogust disse à coluna que ainda cabe recurso da decisão e acrescentou que os contratos nunca foram questionados pelos clientes ou por instituições de Justiça.
"O questionamento atual surge no contexto do lançamento do PID e integra uma manobra que busca enfraquecer o direito —já reconhecido pelos tribunais ingleses— de os atingidos buscarem indenização integral na Inglaterra, pressionando-os a aceitar os termos de um acordo incompatível com a gravidade dos danos sofridos", afirmou em nota.
O escritório disse que a ordem de depósitos de valores em juízo a título de honorários "é inócua", já que o Pogust nunca recebeu qualquer valor de seus clientes.
Com Stéfanie Rigamonti