Morte de médico em Gaza em ataque israelense devasta comunidade médica

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A notícia de que Marwan al-Sultan foi morto esta semana em um ataque aéreo israelense atingiu os médicos de Gaza como um raio. Durante 20 meses de guerra, o cardiologista havia se tornado uma das principais testemunhas do conflito, descrevendo para o mundo repetidamente as cenas horríveis em suas enfermarias, mesmo enquanto lutava para manter as luzes acesas no hospital que administrava no norte do território

Agora, vídeos de outro hospital, a apenas alguns quilômetros de distância, mostram como o jovem filho de Sultan engolia em meio a soluços enquanto estava sobre o corpo de seu pai, tão angustiado em seu luto que mal notava as mãos que se estendiam para consolá-lo. Ao seu lado estava o diretor do Ministério da Saúde de Gaza, Munir al-Bursh, que abraçou o menino antes de começar a chorar silenciosamente.

Parentes de Sultan, o diretor do Hospital Indonésio em Jabalya, disseram que o ataque na quarta-feira havia atingido o apartamento na Cidade de Gaza onde ele estava hospedado, matando também a esposa do médico, sua irmã, sua filha mais nova e seu genro.

Em um comunicado, o exército israelense disse que havia atingido "um terrorista-chave da organização terrorista Hamas", mas não forneceu mais informações. "A alegação de que, como resultado do ataque, civis não envolvidos foram feridos está sendo analisada", afirmou.

A campanha militar de Israel em Gaza devastou o sistema de saúde do território, danificando e destruindo suas clínicas e hospitais, matando ou prendendo centenas de profissionais médicos e regularmente impedindo a entrada de medicamentos e outros suprimentos críticos. Autoridades israelenses acusaram o Hamas, que governava a Faixa de Gaza e atacou Israel em 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1.200 pessoas, de operar dentro ou por baixo dos hospitais locais, mas frequentemente com poucas evidências para sustentar as alegações. Mais de 57.000 palestinos foram mortos no conflito, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.

Em junho, cerca de um mês depois que aviões de guerra israelenses bombardearam a área ao redor do Hospital Europeu em Khan Younis, numa tentativa de matar o líder do Hamas Mohammed Sinwar, o exército mostrou a um pequeno grupo de jornalistas internacionais o que disseram ser seu esconderijo: um túnel estreito que passava por baixo da instalação. No entanto, não havia pontos de entrada conhecidos dentro do hospital, que permanece sem funcionamento.

Os fechamentos escalaram a crise de saúde tão drasticamente que agora é comum para médicos em enfermarias superlotadas tratar vítimas em pisos ensanguentados enquanto o suprimento limitado de anestésicos se esgota. Às vezes, os médicos tratam e costuram feridas, apenas para que os pacientes morram mais tarde devido às infecções que se instalam.

"Quase todos os hospitais públicos em Gaza estão fechados ou destruídos por meses de hostilidades e restrições à entrada de medicamentos essenciais, suprimentos e equipamentos", disse o Comitê Internacional da Cruz Vermelha em um comunicado na quarta-feira. "As poucas instalações médicas que continuam funcionando — incluindo o Hospital de Campo da Cruz Vermelha— estão sobrecarregadas e com baixos estoques de suprimentos essenciais, incluindo combustível e até mesmo sacos para cadáveres."

Nas redes sociais e em mensagens para repórteres do Washington Post, Sultan forneceu ao longo da guerra um relato angustiante de como Gaza chegou a esse ponto. Nos primeiros dias do conflito, enquanto as tropas israelenses se preparavam para uma invasão terrestre em larga escala, Sultan descreveu o choque do momento dentro do Hospital Indonésio como estar "em um sonho". Tão grande era o influxo de vítimas do bombardeio de Israel que ele mal saía do hospital —e já temia ser morto nos ataques se o fizesse.

Em novembro, a rede de telecomunicações de Gaza estava destruída e Sultan disse que sua equipe havia sido forçada a usar alto-falantes para direcionar médicos ao campo de refugiados de Jabalya, onde centenas de civis haviam sido enterrados sob escombros em um dos ataques mais mortais da guerra.

"Um quarteirão inteiro densamente povoado foi alvo em um momento em que as pessoas estavam sentadas com segurança em casa", disse ele em uma mensagem. "Pessoas que trabalham conosco agora receberam seus parentes que foram mortos ou feridos."

Em poucas semanas, o próprio Hospital Indonésio estava sob cerco e quase sem equipamentos, e Sultan emitiu o primeiro do que se tornaria uma série de apelos urgentes à comunidade internacional, pedindo a proteção de sua instalação e equipe.

O exército israelense acusou o hospital de ter ligações com terroristas em várias ocasiões ao longo da guerra. Durante uma incursão no complexo hospitalar em dezembro de 2023, disse que um carro usado para transportar reféns de Israel para Gaza em 7 de outubro havia sido localizado dentro de uma das áreas de estacionamento. Um ano depois, em dezembro de 2024, acusou terroristas de lançar ataques contra tropas israelenses de uma área próxima, mas não dentro, do complexo hospitalar.

A família de Sultan rejeitou qualquer acusação de que ele estivesse envolvido com terroristas. "Ele não é membro do movimento ou de qualquer outro grupo. Ele apenas se preocupava com os pacientes e os tratava", disse sua filha Lobna na quarta-feira, em uma entrevista transmitida pelo canal de televisão al-Arabiya.

Uma fotografia do apartamento gravemente danificado do cardiologista mostrou que o andar em que ele estava parecia ter sido especificamente visado, com os outros andares deixados em grande parte intactos.

"Por quê", perguntou Lobna. "Alguém pode me responder? O que eles fizeram?"

Em uma das últimas mensagens de Sultan para repórteres do Post, em 14 de maio, ele havia listado os nomes de 21 pessoas trazidas mortas ao hospital, a maioria não mais velha que nove anos. Alguns deles haviam chegado em pedaços, disse ele. "Minha querida irmã, é difícil, é realmente difícil para mim descrever para você todas essas lesões das crianças", disse ele. "Como uma criança que pesa entre 5 a 10kg pode suportar um míssil", perguntou.

Hadiki Habib, o presidente da organização de ajuda com sede em Jacarta que ajudou a construir o Hospital Indonésio, disse que ele foi formalmente entregue ao Ministério da Saúde de Gaza em 2015. Sultan, disse Habib por telefone de Jacarta, tornou-se "um símbolo" da resiliência do povo sitiado de Gaza.

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Sultan havia sido forçado a fugir do hospital duas vezes —primeiro durante a incursão em dezembro de 2023 e depois em maio de 2025, quando o exército israelense se aproximou novamente e ataques aéreos provocaram um grande incêndio no complexo— mas o diretor do hospital nunca deixou o norte de Gaza ou desistiu de tentar manter o hospital aberto e cuidar de seus pacientes, disse Habib.

"Ele era conhecido por sua franqueza, espontaneidade e liderança firme —características que moldavam as reuniões diárias de gestão do hospital, frequentemente cheias de debates rigorosos e sempre terminando com camaradagem sobre café e refeições compartilhadas", acrescentou.

Em uma homenagem postada nas redes sociais na quarta-feira, Ezzideen Shehab, outro médico, disse que Sultan "caminhava entre os feridos como se a dor deles fosse sua própria, o que era... Quando as crianças eram trazidas com membros pendurados como promessas esquecidas, ele não fugia. Ele apenas olhava para os céus e sussurrava: 'Preparem-se'."

Fotografias das redes sociais de Sultan antes da guerra mostram o médico em momentos de uma Gaza que não existe mais. Em uma, ele está sorrindo enquanto segura dois morangos suculentos colhidos das terras agrícolas de Gaza, a maioria das quais foi arrasada como parte das operações militares de Israel.

Em outra imagem, tirada dez dias antes da guerra, Sultan é visto trabalhando, em trajes cirúrgicos verde-escuros, ao lado de vários colegas após terem transferido um paciente de cardiologia para o Hospital al-Shifa. "Um dia frutífero é o dia em que você está acompanhando as grandes pessoas", escreveu Mustafa Naim, 31 anos, outro médico, que postou a fotografia no Facebook. Dos quatro homens fotografados naquele dia, ele era o único sobrevivente que restava em Gaza, disse Naim.

Naim disse que Sultan cuidou dele quando sofreu uma lesão na coluna durante a guerra. "Ele costumava dizer: 'Como nenhum membro da sua família está aqui, nós cuidaremos de você —estou ao seu lado'", lembrou Naim.

Em março, quando Israel impôs um cerco total a Gaza e os casos de desnutrição aumentaram, Sultan se recusou a comer sozinho quando estava no hospital, disse Naim. "Ele insistia em compartilhar refeições com cerca de 22 pessoas."

O cardiologista "lutou não contra a guerra lá fora, mas contra a guerra maior: a guerra contra a apatia", escreveu Shehab. "E ainda assim, ele sorria. Não por esperança tola, mas por algo mais sagrado: desafio."

"Você sabe o que é ser alegre no inferno? Esse foi seu milagre. Essa foi sua rebelião."

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